Chegamos ao final de 2016 com a sensação de que este era um ano que não ia acabar. Aliás, um ano avassalador como este, que desafiou toda a nossa história de lutas por um mundo menos desigual, deixa suas marcas em nossos corpos, em nossas mentes e em nossos corações. Mesmo aparentando eternizar-se... vai terminando e sabemos que suas mazelas serão superadas!
Lúcia Rincon*
Iniciamos o mês de agosto saudando os 10 anos da Lei Maria da Penha – marco no combate à violência contra a mulher – e terminamos o mesmo mês com o impeachment da primeira presidenta eleita e reeleita do Brasil, vítima de um golpe institucional, parlamentar, jurídico, midiático e misógino contra nossa jovem democracia. Neste processo o discurso de ódio contra as mulheres, que integra a história machista de dominação patriarcal, revelou a sua face mais cruel; favoreceu o crescimento das forças conservadoras e reacionárias e ao atacar uma presidenta mulher, o patriarcado aportou reforço às necessidades do capital financeiro para estruturar as bases desse golpe. Nossa querida e forte presidenta Dilma Rousseff enfrentou os ataques com exemplar galhardia.
Vivenciamos a traição de setores da sociedade brasileira contra um projeto de desenvolvimento nacional que preservava as nossas riquezas com garantia de melhores condições de vida para a maioria da população. No entanto, não conseguimos em tempo, fazer a leitura da movimentação dos setores conservadores mais ofensivos, impulsionados desde 2013 e, tampouco, construir a unidade necessária para combatê-la. O fato é que 2016 é um ano com do qual poderemos tirar muitas lições para o fortalecimento de uma ampla unidade nas próximas décadas. O futuro que hoje se nos apresenta cheio de incertezas, será de realizações e vitórias se construirmos a unidade na luta, fundada na busca de atender as demandas da grande maioria de nosso povo.
Não conseguimos manter os poucos espaços institucionais que havíamos conquistado, e particularmente quanto às mulheres, apesar de grandes avanços conseguidos com a minireforma, com a Lei Maria da Penha, as Casas da Mulher Brasileira, a legislação referente aos direitos sexuais e reprodutivos, o ambiente político no Brasil ainda é muito inóspito. Falta representatividade feminina nas esferas do poder, mesmo que em 2016 fossemos a maioria do eleitorado brasileiro em todos os estados constituindo 76,5 milhões de brasileiras dos 146,4 milhões de eleitores, responsáveis por 37,3% das famílias do País. Esses dados revelam o potencial transformador da atuação das mulheres em todas as esferas da vida em sociedade. Entretanto ele não se realiza nos espaços de poder, onde ocupamos apenas 63 das 594 cadeiras do Congresso Nacional – ou seja, cerca de 10%.
O decréscimo da presença de mulheres eleitas, ocorrido nas eleições deste ano comprova mais uma vez a importância da lei de cotas, que por si, já representa um ganho político se consideramos a composição misógina da sociedade brasileira e as relações patriarcais que perpassam toda sua estrutura. Entretanto, é preciso avançar mais no sentido de que o sistema seja efetivamente cumprido com a punição aos partidos que não adotarem a regra efetivamente. O sistema de cotas para mulheres é um instrumento consagrado em diversos países.
Se desde 2003 vínhamos construindo no Brasil um projeto diferente e novo em nossa história, caminhando para a redução das desigualdades sociais com distribuição de renda, investimentos em saúde e educação, justiça social e importante e reconhecida projeção no cenário internacional, sofremos um duro revés em 2016. Precisamos analisá-lo com objetividade e cientificidade, tendo como horizonte a transformação revolucionária.
No ano de 2017, as entidades sindicais, os movimentos sociais, as frentes organizadas neste processo de enfrentamento e resistência e os partidos políticos comprometidos com um projeto democrático-popular, também estarão organizando os seus fóruns de debate em que precisamos estar presentes. Será nesses espaços e travando as lutas, que nós, mulheres e setores oprimidos e subalternizados conseguiremos organizar as bandeiras que vão sedimentar nossa unidade.
Em 2017, nós da UBM – União Brasileira de Mulheres - promoveremos o nosso congresso, no qual analisaremos, coletivamente, debatendo como este golpe parlamentar, jurídico, midiático e misógino, atingiu os direitos das mulheres. Definiremos os melhores caminhos para preservarmos as nossas conquistas e construirmos as novas vitórias. Os desafios estão postos.
Conclamamos as mulheres a se unirem nas bases da União Brasileira de Mulheres para que, juntas e unidas, possamos apontar diretrizes de atuação e lutas para a construção de uma sociedade menos desigual, mais justa e socialista.
* Lúcia Rincon é coordenadora nacional da União Brasileira de Mulheres/UBM/ e professora doutora da PUC de Goiás
Fonte: www.vermelho.org.br/
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