segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Valdester Pinto Jr. e os desafios de tratar a cardiopatia congênita na rede pública


Valdester Pinto Jr é um dos fundadores do Instituto do Coração da Criança e do Adolescente (InCor Criança)
Enveredado para a pediatria desde a formação, o cirurgião cardiovascularValdester Pinto Jr.foi um dos fundadores doInstituto do Coração da Criança e do Adolescente (InCor Criança) no Ceará. A instituição atua há dez anos em Fortaleza para diagnosticar e direcionar para o tratamento cirúrgico as crianças com cardiopatias congênitas - as disfunções “de nascença” no coração. 

Atuante pela saúde destas crianças na rede pública, Valdester é o entrevistado da edição desta segunda-feira das Páginas Azuis. A conversa com a reportagem do O POVO ocorreu no InCor Criança, no Parque Manibura, em uma sala cheia de livros a serem vendidos e revertidos para a compra de novos equipamentos. 

Para ele, falar do instituto remete diretamente à luta travada para dar mais acesso às cirurgias voltadas exclusivamente para a pediatria pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Demanda levada ao Ministério da Saúde, abrindo possibilidades para a cardiologia pediátrica no Brasil. 

Autor do livro De nascença e colaborador da literatura médica brasileira sobre cirurgia cardiovascular, Valdester fala ainda da necessidade em integrar a rede de assistência à cardiopatia congênita no Estado. Do que aprendeu em mais de 20 anos de atuação na área, comenta que o Ceará ainda falha em planejar o atendimento destas crianças. 

As cardiopatias congênitas são anormalidades na estrutura ou função do coração presentes desde o nascimento. Por ano, a estimativa é que a doença se manifeste em 25 mil crianças brasileiras. O diagnóstico pode ser feito ainda durante a gravidez, com uma ultrassonografia. 

Conforme defende Valdester Pinto Jr., planejar o atendimento médico especializado nos momentos seguintes ao parto pode salvar a vida de muitos destes pacientes. Confira a avaliação do entrevistado sobre a realidade da doença no Brasil. 

OP - Os seus livros lançados (De Nascença, em 2014, e Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, com segunda edição em 2013) são uma percepção de que as pessoas não conhecem as doenças congênitas do coração?

Valdester - Quando eu fundei o Departamento (de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica na Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular), a gente queria primeiro legalizar a nossa profissão. A segunda coisa era a educação continuada para médicos, enfermeiras. Em uma das reuniões, coloquei essa vontade e um colega quis fazer um manual. Mas eu queria era um livro. Fomos quatro colaboradores e fizemos a primeira edição com mais ou menos 700 páginas. Foi o primeiro do Brasil a falar de cardiologia e cirurgia conjuntamente. Bateu um desespero no juízo da gente há dois anos pra fazer uma segunda edição. Nasce outro com 1.300 páginas. É imenso, lindo! E ele contribui na formação e na capacitação dos profissionais de saúde. Todo o recurso também vai para o Departamento. Pensei: “Está faltando o outro lado da história. Preciso educar a sociedade e a família”. Primeiro para dizer o que é doença congênita do coração. Ninguém sabe, e nem é obrigado a saber. Estava faltando a mãezinha que chega lá saber que a doença tem começo, meio e fim. Que tem alegria, tensão e tristeza, mas que na grande maioria das vezes essas crianças ficam muito bem. Esse livro não tinha no Brasil e conta essa história. Fundamentalmente, eu instigo a sociedade a conhecer essas crianças, revelar o rosto dessas crianças. É uma provocação à sociedade. “Nos enxergue, nos ajude!” (sic). E também coloca para que as famílias se reconheçam aqui dentro. Quem está no começo do processo, relembra o que passou. Quem está no começo, sabe o que vai passar. E o final é sempre feliz. 

OP –É um recado para o poder público também?

Valdester - Os gestores precisam olhar para pediatria como uma coisa construída com muito amor, por muita gente e por muito tempo. E quando a gente luta, e quando a gente briga, quando a gente está ali é em prol da criança. Eles precisam entender que o nosso foco, que deve ser o deles também, é o paciente. No nosso caso, é uma criança que não fala, que só chora. E uma mãe que, na maioria das vezes, é anafalbeta. Quando muito funcional, que lê, mas não compreende. Por isso que o livro tem tanta foto, porque elas entendem pelo que elas estão vendo aqui. Essa é a nossa realidade. Que eles (gestores) não nos tirem o prazer de fazer. Que eles nos apoiem na vontade de querer cuidar das crianças. Porque muitas vezes é muito mais fácil a “caneta” ser guiada pela razão do que pela emoção. E um gestor que só se guia pela razão, ele analisa números. E no nosso caso específico, números são contra a gente.

OP – Porque, como você diz, as crianças com cardiopatia congênita estão em minoria. 
Valdester - É porque dá prejuízo! Dizem: “Eu vou gastar não sei quantos milhões nesse tantinho de gente aí. Eu podia pegar esse tantão de dinheiro e gastar com mais gente”. Segunda coisa: é muito caro por cada criança. Essa é a nossa luta, esse é o nosso desgaste. Nós não estamos hoje mais na discussão se dá pra operar ou não dá pra operar. Essa discussão é lá pra trás. Se era uma cirurgia paliativa ou era uma cirurgia corretiva. O mundo hoje também não discute qualidade, nem resultado. Nós estamos hoje na década de 1990 em comparação com o mundo. O mundo, lá na década de 1990, discutia qualidade, resultado, cirurgia para o neonato. O mundo hoje discute sabe o quê? Como eu transfiro todo esse conhecimento que eu tenho para a população nos países periféricos. Como eu levo isso pro Brasil, pra África, pra América Latina como um todo. Eles já chegaram onde a tecnologia podia levá-los. Hoje estão difundindo este conhecimento, indo a outros países. Nós estamos na discussão da década de 1990: eu preciso baixar mortalidade, eu preciso resolver essa grande morbidade, as complicações. E esse embate não é simples, viu? Qualidade muitas vezes está atrelada a aumento de custo.

Fonte: www.opovo.com.br/

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