A juíza federal Marciane Bonzanini suspendeu liminarmente todos os anúncios da campanha do governo federal sobre a reforma da Previdência. A magistrada atendeu a uma ação civil pública protocolada por uma série de sindicatos do Rio Grande do Sul. Para as entidades, além de não informar sobre os direitos previdenciários e as mudanças propostas, o material publicitário ainda se vale do desconhecimento da população e faz propaganda enganosa, amparada em dados questionados por especialistas.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os sindicatos alegam que a campanha violou o caráter educativo e informativo e de orientação social, que deve pautar a publicidade oficial dos órgãos públicos, “uma vez que difundiu mensagens com dados que não representam de forma fidedigna a real situação financeira do sistema de Seguridade Social brasileiro e que podem induzir à formação de juízos equivocados sobre a eventual necessidade de alterações nas normas constitucionais previdenciárias”.
Segundo os autores da ação, desde que enviou o projeto de reforma ao Congresso, o governo iniciou uma ampla campanha publicitária, veiculando mensagens “alarmistas” com o objetivo de propagar a ideia de que a Previdência Social brasileira é economicamente inviável, de que haveria um “rombo crescente” e um deficit intransponível e de que a proposta de emenda constitucional seria a única forma de viabilizar a manutenção dos direitos previdenciários, buscando, desta forma, apoio popular ao projeto.
De acordo com os sindicatos, a versão contida na campanha publicitária é alvo de questionamentos por especialistas na área da Seguridade Social, associações de classe e pesquisadores, os quais criticam as metodologias de cálculo empregadas pelo governo, que resultam em números negativos, e sustentam que existe a construção de um discurso do deficit a partir da desconsideração de receitas e da inclusão de despesas estranhas à proteção social no balanço da Previdência Social.
“Diante de uma relevante controvérsia científica sobre fórmula de cálculos e de interpretação acerca dos elementos que compõem receita e despesas da Seguridade Social, que levam a conclusões opostas sobre a situação financeira da Previdência Social, o governo federal, ao invés de promover o debate, a informação e a orientação social sobre os direitos previdenciários e sobre as possíveis mudanças no sistema de proteção social, com a intenção de ver implantada a reforma que julga necessária, promove uma narrativa do caos, valendo-se da desinformação das pessoas sobre as fontes de custeio e regras de gestão, incutindo medo e incertezas na população”, dizem.
Publicidade do partido no poder, com recursos públicos
Na sua decisão, a juíza afirma que, em todo o material da campanha analisado, verifica-se que não se trata de publicidade de atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos, com caráter educativo, informativo ou de orientação social, como permite o art. 37, § 1º, da CRFB.
“Trata-se de publicidade de programa de reformas que o partido político que ocupa o poder no governo federal pretende ver concretizadas. Ou seja, não há normas aprovadas que devam ser explicadas para a população; não há programa de governo que esteja amparado em legislação e atos normativos vigentes. Há a intenção do partido que detém o poder no Executivo federal de reformar o sistema previdenciário e que, para angariar apoio às medidas propostas, desenvolve campanha publicitária financiada por recursos públicos”, escreve.
Para a magistrada, sem adentrar na análise dos diferentes entendimentos acerca do tema e das afirmações utilizadas nos anúncios, a campanha publicitária poderia ser realizada por um partido político para divulgar posicionamento favorável à reforma, “desde que não utilizasse recursos públicos”.
Na sua decisão, ela alega que os movimentos e objetivos campanha, financiada por recursos públicos, prendem-se à mensagem de que, se a proposta feita pelo partido político que detém o poder no Executivo federal não for aprovada, os benefícios que compõem o regime previdenciário podem acabar. “Diante dessa situação, entendo que fica configurado uso inadequado de recursos públicos na campanha publicitária encomendada pelo Poder Executivo federal, não legitimado pelo art. 37, § 1º, da CRFB, configurando desvio de poder que leva à sua ilegalidade.”
Danos a princípio democrático
Conforme despacho da juíza, a campanha publicitária desenvolvida, utilizando recursos públicos, faz com que o próprio princípio democrático reste abalado, “pois traz consigo a mensagem à população de que a proposta de reforma da Previdência não pode ser rejeitada e de que nenhuma modificação ou aperfeiçoamento possa ser feito no âmbito do Poder Legislativo, cabendo apenas o chancelamento das medidas apresentadas”.
“O debate político dessas ideias deve ser feito no Poder Legislativo, cabendo às partes sustentarem suas posições e construirem as soluções adequadas do ponto de vista constitucional e democrático. O que parece destoar das regras democráticas é que uma das partes envolvidas no debate político busque reforçar suas posições e enfraquecer argumentos diferentes mediante campanha publicitária utilizando recursos públicos”, completa.
A juíza decidiu, então, suspender, em todo o território nacional, os anúncios da campanha do Poder Executivo federal sobre a reforma da Previdência nas diversas mídias e suportes em que vêm sendo publicadas as ações de comunicação – televisão, rádios, publicações impressas, rede mundial de computadores, outdoors e indoors instalados em aeroportos, estações rodoviárias e em quaisquer outros locais públicos –, sob pena de multa diária de R$100.000,00 em caso de descumprimento.
Do Portal Vermelho
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