segunda-feira, 31 de março de 2014

Ex-deputados relatam bastidores da sessão que depôs João Goulart

Sessão do Congresso em 2 de abril de 1964 declarou vaga a Presidência.
G1 ouviu 6 deputados que estavam na sessão na madrugada daquele dia.



Ex-deputados falam sobre sessão de declarou vaga a Presidência em 1964 (Foto: Montagem/Arte G1)

















Deputados que participaram na madrugada de 2 de abril de 1964 da sessão do Congresso que oficializou a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar retrataram ao G1 o ambiente de tensão, medo e quase violência instalado no plenário. Os relatos revelam episódios de xingamentos, cusparadas, ameaças e de parlamentares armados com revólveres na cintura.
(ESPECIAL "50 ANOS DO GOLPE MILITAR": a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, desencadeou uma série de fatos que culminaram em um golpe de estado em 31 de março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos militares com apoio de setores da sociedade, que temiam que ele desse um golpe de esquerda, coisa que seus partidários negam até hoje. O ambiente político se radicalizou, porque Jango prometia fazer as chamadas reformas de base na "lei ou na marra", com ajuda de sindicatos e de membros das Forças Armadas. Os militares prometiam entregar logo o poder aos civis, mas o país viveu uma ditadura que durou 21 anos, terminando em 1985. Saiba mais)
Ney Maranhão (Foto: Vitor Tavares / G1)
O ex-deputado Ney Maranhão onde mora, Vitória de
Santo Antão (PE) (Foto: Vitor Tavares/G1)
A maioria dos deputados e senadores presentes foi surpreendida na noite do dia 1º e no início da madrugada do dia 2 pela convocação, por telefone, para uma sessão extraordinária na qual – saberiam depois – o presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, declararia vaga a Presidência da República, sob o argumento de que Jango havia abandonado o governo.O então presidente, ameaçado nos dois dias anteriores pela movimentação das tropas comandadas por chefes militares contrários ao governo, tinha viajado para o Rio Grande do Sul.O ex-deputado pernambucano Ney Maranhão, 86 anos, em 1964 no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o mesmo de Jango, relembra do "rebuliço danado" que provocou a convocação extraordinária do Congresso. "Fomos convocados às pressas, para uma sessão às 2h da madrugada. Eu, particularmente, já sabia o que estava acontecendo, pelo que estava se desenhando", disse.Leopoldo Peres Sobrinho (Foto: Adneison Severiano/G1 AM)
O controlador-geral do AM e ex-deputado Leopoldo
Peres Sobrinho (Foto: Adneison Severiano/G1 AM)
Antes de a sessão se iniciar, Leopoldo Peres Sobrinho, 84 anos, então deputado pelo Amazonas do Partido Social Democrático (PSD), diz ter presenciado uma reunião "secreta" no gabinete de Auro Moura Andrade, que apoiava o golpe militar e defendia a destituição de Goulart.“Talvez eu fosse o mais novo integrante dessa reunião e sou um dos poucos que sabem do que se passou no gabinete [...]. Vi quando Auro de Moura Andrade chamou o Gustavo Capanema, que era um homem culto e um dos grandes juristas do país, falando-lhe algo no ouvido, cochichando. Capanema saltou e disse em voz alta: 'Auro isso é um absurdo. Mas vou fazer para evitar derramamento de sangue'”, contou.
Segundo Peres Sobrinho, os parlamentares convocados para a sessão desconheciam as intenções de Moura Andrade e não sabiam o que exatamente ele iria anunciar.
Plínio de Arruda Sampaio, 83, ao lado da mulher Marieta e do filho Francisco: 'Infelizmente, tivemos esse percalço na nossa história, que ainda não passou, e não vai passar mais cedo'. (Foto: Rosanne D'Agostino/G1)
Plínio de Arruda Sampaio, 83, ao lado da mulher
Marieta e do filho Francisco, na casa onde mora na
capital paulista (Foto: Rosanne D'Agostino/G1)



















Ao chegar ao Congresso, o deputado Plinio de Arruda Sampaio, 83 anos, na ocasião integrante da bancada paulista do Partido Democrata Cristâo (PDC), diz ter percebido uma "tensão brutal"
“O clima estava uma coisa terrível [...]. Deputados golpistas e deputados do Jango ofendendo, um botando o dedo na cara do outro, era coisa quase de soco. Revólver na cinta, todo mundo com revólver aparente. Clima tensíssimo. Uma sessão violentíssima”, contou Sampaio, 83 anos, atualmente filiado ao PSOL
.Durante a sessão, alguns deputados abasteciam de informações o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que acompanhava com ansiedade os acontecimentos. “Juscelino estava preocupadíssimo”, afirma o ex-deputado Carlos Murilo, do PSD de Minas, primo do ex-presidente. Murilo, que se disse "homem de confiança" de Juscelino, afirmou ter passado a madrugada entre o Congresso e o apartamento do ex-presidente.

O ex-deputado Carlos Murilo, em sua casa, em Brasília, com exemplar do livro que escreveu sobre JK (Foto: Laura Tizzo / G1)
O ex-deputado Carlos Murilo, em sua casa, em
Brasília, com exemplar do livro que escreveu sobre
JK (Foto: Laura Tizzo / G1)
“Eu e o Renato Azeredo (PSD) [pai do ex-deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), processado no caso do mensalão tucano em Minas], estávamos no apartamento de Juscelino em Brasília. Tinha muita gente lá, falando alto [...]. Passei a noite indo e voltando do apartamento do Juscelino, passando informações”, declarou Murilo, que se recorda da preocupação de parlamentares da esquerda, com medo de serem presos.Ex-ministro do Trabalho e da Previdência do governo Jango e na época deputado do PTB pelo Amazonas, Almino Affonso, 84 anos, afirma que, logo depois de Moura Andrade anunciar que a Presidência estava vaga e que o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, iria substituí-lo, o moderado líder do governo na Câmara, deputado Tancredo Neves (PSD) – que em 1985 viria a ser o primeiro presidente civil após a era militar, mas que morreu antes de tomar posse – levantou-se e se dirigiu ao presidente do Congresso aos gritos: "Canalha, canalha!".Almino Affonso, 85, foi ministro do Trabalho e da Previdência Social de João Goulart e estava na sessão do Congresso que declarou vaga a Presidência em 2 de abril de 1964. (Foto: Rosanne D'Agostino/G1)
Almino Affonso, durante entrevista no apartamento
onde mora, em SP (Foto: Rosanne D'Agostino/G1)

De acordo com Almino Affonso, o anúncio também motivou a ira de outro deputado, Rogê Ferreira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que partiu para cima de Moura Andrade.
"Alto, hercúleo, [Rogê Ferreira] consegue aproximar-se daqueles seguranças do Congresso, afasta-os, aproxima-se do Moura Andrade e dá duas cusparadas, que eu passei a chamar de 'cusparadas cívicas'", declarou Almino Affonso.
Emílio Gomes, 89 anos, se qualifica como um deputado de "primeira viagem" em 1964. Filiado ao PDC, integrava a bancada do Paraná na Câmara. Ele disse que, como novato, acreditou na época que Moura Andrade tivesse adotado "uma posição legal". "Eu acreditei que fosse verdade. Se ele estava falando, é porque tinha algum documento", declarou.
"Eu não tinha o conchavo com políticos. A mim não era dada, ou talvez não merecesse, a confiança do que se passava, do que se estavam tramando", diz Emilio Gomes  (Foto: Bibiana Dionísio/G1)
O ex-deputado federal e ex-governador do Paraná
Emilio (Foto: Bibiana Dionísio/G1)
Ao final da sessão, Gomes disse ter passado por momentos de tensão e medo depois que Moura Andrade convidou um grupo de parlamentares – entre os quais ele estava – para se dirigir ao Palácio do Planalto a fim de, ainda na madrugada, dar posse a Ranieri Mazzilli.
"Nós saímos a convite dele [Auro de Andrade] pela garagem, que tem uma saída que sai do Senado direto para o Palácio do Planalto. Atravessamos para assistir a posse do novo presidente. Quando estávamos descendo a rampa [...], o pelotão ali de guarda não sabia do que se tratava. Eu só sei que um camarada pegou a metralhadora e apontou, e eu pensei: 'Pronto, acabou a minha valentia'. O que eu faço? Eu não tive ação nenhuma. Fiquei parado, como os outros pararam. Quem estava próximo era o coronel Costa Cavalcanti, que conhecia bem o linguajar militar. Então, ele gritou: 'Não atire, chame o seu oficial de dia'. Veio o oficial de dia, eles conversaram. Então, eles se afastaram e nós entramos."
A revisão do ato de Auro de Moura Andrade se deu somente quase 50 anos depois. No dia 21 de novembro do ano passado, o Congresso Nacional anulou a sessão legislativa que destituiu o ex-presidente da República João Goulart do cargo – uma decisão com valor simbólico, a fim de se retiirar o caráter de legalidade do golpe militar de 1964.
Abaixo, leia trechos das falas dos parlamentares na sessão de 2 de abril de 1964, com base nos registros taquigráficos do Congresso, e ouça parte do pronunciamento do presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade.
Sessão é aberta de madrugada, por volta das 2h.
Presidente Moura Andrade: 

As listas de presença acusam o comparecimento de 29 senadores e 183 deputados, num total de 212. Senhores congressistas, havendo número legal, declaro aberta a sessão. Essa sessão conjunta do Congresso Nacional foi convocada a fim de que a Presidência pudesse fazer um comunicado e uma declaração. Passo a enuncia-las...
 Sr. Bocayuva Cunha:

Sr. Presidente, peço a palavra
Presidente:

A presidência não pode ser interrompida. Darei a palavra a vossa excelência depois de haver a presidência encerrado a exposição...
Sr. Bocayuva Cunha:

Pedi antes a palavra.
Sr. Presidente:

Não é possível. Antes de colocar o tema, vossa excelência não pode suscitar questão de ordem.
Sr. Bocayuva Cunha:

O governador do estado do Rio de Janeiro foi preso por oficiais da marinha...
(tumulto no plenário)

Sr. Presidente:

(Faz soar a campainha) Peço licença ao nobre deputado Bocayuva Cunha. Não posso permitir que vossa excelência prossiga numa questão de ordem que não diz respeito à ordem dos trabalhos desta casa. O assunto que sua excelência traz ao conhecimento da Casa é matéria para deliberação....
(tumulto no plenário)
Sr. Presidente:

(faz soar a campainha) Atenção aos senhores deputados. Serei forçado a suspender a sessão até que a calma volte ao plenário, para que esta presidência possa cumprir o seu dever de fazer a comunicação e a declaração que lhe cabe formular nesta hora angustiosa da vida brasileira. Está suspensa a sessão.
(suspende-se a sessão)
Sr. Presidente:

Está reaberta a sessão. Comunico ao Congresso Nacional que o senhor João Goulart deixou, por força dos notórios acontecimentos de que a Nação é conhecedora, o governo da República.
(aplausos prolongados, protestos, tumulto)
Sobre a Mesa, ofício do senhor Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil da Presidência da República, que será lido pelo 1º Secretário.
É lido o seguinte:


"Ofício
Brasília, 2 de abril de 1984
Senhor presidente,
O senhor presidente da República incumbiu-me de comunicar a vossa excelência que, em virtude dos acontecimentos nacionais das últimas horas, para preservar de esbulho criminoso o mandato que o povo lhe conferiu, investindo-o na chefia do Poder Executivo, decidiu viajar par ao Rio Grande do Sul, onde se encontra à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais e o seu ministério.
Atenciosamente,
Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil."

Sr. Sérgio Magalhães:

Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem, baseado no Regimento Comum.
Sr. Presidente:

Tem a palavra o nobre congressista Sérgio Magalhães.
Sr. Sérgio Magalhães:

Sr. Presidente, minha questão de ordem se baseia, como disse, no Regimento Comum, cujo art. 1º estabelece que o Senado Federal e a Câmara dos Deputados reunir-se-ão em sessão conjunta para: inaugurar sessão legislativa; elaborar ou reformar o regimento comum; receber o compromisso do presidente e do vice-presidente da República; deliberar sobre veto aposto pelo presidente da República; eleger o presidente e o vice-presidente da República nos casos do art. 70 da Constituição Federal. Nessas condições, senhor presidente, não vejo como enquadrar no regimento comum a convocação que vossa excelência fez com o fim de que o Congresso ouvisse um comunicado. Essa comunicação, portanto, é antirregimental, como antirregimental, em consequência, é a convocação do Congresso para ouvi-la.
(aplausos e não apoiados)
Sr. Presidente:

Em 1961, vossa excelência não entendeu dessa forma. Vossa excelência presidia, então, a Câmara dos Deputados...
(Palmas prolongadas, ‘muito bem’, ‘muito bem’, ‘muito bem’. Não apoiados, tumulto)
Sr. Sérgio Magalhães:

Sr. Presidente, peço a palavra para outra questão de ordem.
Sr. Presidente:

Vossa excelência tem a palavra.
Sr. Sérgio Magalhães:

De conformidade com os regimentos, não só da Câmara e do Senado, mas também com o regimento comum, uma vez proposta a questão de ordem, é obrigação do presidente respondê-la de forma conclusiva. (aplausos e não apoiados). Não pode vossa excelência invocar quaisquer erros que tenham sido cometidos no passado para fugir à resposta à nossa questão de ordem que, por casado, se baseia precisamente no art. 19 do regimento comum. Responda, vossa excelência, à questão de ordem para merecer o respeito dos congressistas.
(aplausos e não apoiados. Protestos veementes)
Sr. Presidente:

Desrespeito é o que ocorre quando o ímpeto do parlamentar que discorda do pronunciamento da Mesa interrompe a resposta à questão de ordem. (palmas prolongadas, ‘muito bem’, protestos e não apoiados).
Sr. Sérgio Magalhães:

É a Mesa que não se respeita!
Sr. Presidente:

A resposta a esta questão de ordem está não apenas no regimento, como nos fatos. Em 1961, para tomar conhecimento de gravíssima ocorrida na vida brasileira, o Congresso Nacional se reuniu seguidamente. Permaneceu mesmo em sessões permanentes das duas Casas porque assuntos dessa natureza só podem ser apreciados pelas Casas reunidas.
(palmas prolongadas e protestos).
A presidência deve concluir a sua comunicação.

O Sr. Presidente da República deixou a sede do governo (protestos, palmas, não apoiados). Deixou a nação acéfala numa hora gravíssima da vida brasileira em que é mister que o chefe de Estado permaneça à frente do seu governo. (apoiados, ‘muito bem’).
O Sr. Presidente da República abandonou o governo.

(aplausos calorosos, tumulto. Soam insistentemente as campainhas).
Sr. Presidente:

A acefalia continua. Há necessidade de que o Congresso Nacional, como poder civil, imediatamente tome atitude que lhe cabe, nos termos da Constituição. (palmas, protestos), para o fim de restaurar, na pátria conturbada, a autoridade do governo, a existência de governo. Não podemos permitir que o Brasil fique sem governo, abandonado.
(Palmas, tumulto)
Há sob a nossa responsabilidade a população do Brasil, o povo, a ordem. Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República (palmas prolongadas, protestos) e, nos termos do art. 79 da Constituição, declaro presidente da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.
(Palmas prolongadas e protestos)
A sessão se encerra.
Está encerrada a sessão às 3 horas.
Fonte: g1.globo.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário