Na prisão há dois meses, o ex-chefe de Estado pretende concorrer à presidência em outubro. Mesmo atrás das grades, as pesquisas justificam sua decisão
Cathy dos Santos, l’Humanité
"Quero saber por quantos dias eles pensam me prender. Quanto mais tempo eu passar lá (na prisão), mais Lulas nascerão neste país, e mais pessoas vão lutar por esse país, porque uma democracia não tem limites. Não há uma hora certa para lutar". Uma multidão impressionante se reuniu no dia 7 de abril em São Bernardo do Campo, São Paulo, em torno do ex-presidente do Brasil (2003-2010). Ao lado de Lula, estavam o candidato do PSOL e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto Guilherme Boulos, e Manuela d'Ávila, candidata comunista às eleições presidenciais de outubro próximo. Lula fez um discurso íntimo e muito político. Ele sabia que tinha que se apresentar à polícia federal. Os milhares de apoiadores presentes gritavam: "Lula, guerreiro do povo brasileiro" para o presidente que ajudou a tirar 36 milhões de brasileiros da pobreza extrema. Lula é aclamado e carregado pelos presentes como um herói, uma vítima de um sistema político-judicial injusto que jurou que o pegaria. Fazia dois dias que estava no sindicato dos metalúrgicos do ABC, o sindicato que ele presidiu e de onde liderou uma greve histórica em 1979, enquanto o país estava sob a ditadura militar. Esta luta operária o levaria para trás das grades. Na sede dos metalúrgicos, "aprendi sociologia, economia, física, química, e aqui aprendi a fazer política com milhares de professores, os companheiros do sindicato. (...) Eu não vou parar porque não sou apenas um ser humano, sou uma ideia", diz aos seus apoiadores. Em seguida, a figura emblemática do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual é um dos fundadores, se apresentou à justiça, sem depor as armas.
O trabalho baixo de um juiz com afinidades com a direita rançosa
Há dois meses, Luiz Inácio Lula da Silva cumpre a sentença de doze anos e um mês numa prisão em Curitiba, no sul do país, por "lavagem de dinheiro" e "corrupção passiva" no contexto da operação "Lava Jato", de acordo com a sentença proferida pelo polêmico juiz Sergio Moro, que confessou não ter encontrado provas concretas contra o líder da esquerda. Dois anos atrás, sua sucessora e companheira de luta, a presidenta Dilma Rousseff, foi alvo de um processo de impeachment rocambolesco, que resultou em um golpe de Estado institucional para tirar o PT do poder. Desde então, O golpe mergulhou o gigante latino-americano em uma crise institucional e econômica sem precedentes, cujas primeiras vítimas são os pobres do país – os mesmos que levaram Lula e Dilma ao poder.
Agora, é de sua cela que o homem de cabelos grisalhos luta para provar sua inocência. Sua condenação pela obtenção de um tríplex supostamente oferecido por uma construtora em troca de contratos públicos não se sustenta. "Sou o único ser humano processado por um apartamento que não é meu", defendeu-se Lula durante o julgamento. Ele nunca morou no lugar e nunca teve as chaves. Mas era necessário amordaça-lo... O trabalho do juiz Moro, que não esconde suas afinidades com a direita rançosa do país, foi tão baixo que despertou reações para além das fronteiras brasileiras. Ex-presidentes e membros de governos europeus escreveram uma carta para defender "os princípios da democracia e o direito dos povos de escolher o (seu) governo". Massimo D'Alema, ex-primeiro-ministro italiano, seu sucessor Romano Prodi, Elio Di Rupo, ex-primeiro-ministro belga, e Jose Luis Rodriguez Zapatero, ex-presidente do governo espanhol, entre outros, fizeram um apelo solene "para que o ex-presidente Lula possa se candidatar livremente e receber o voto do povo brasileiro". No plano diplomático, tal movimento fala muito sobre a gravidade da situação.
Lula é o favorito às eleições presidenciais
A ordem democrática foi quebrada para expulsar a esquerda do poder e impedi-la, por todos os meios, de voltar. Pois Lula, apesar de uma brutal campanha de difamação conduzida pela mídia dominante, mantém uma popularidade de dar inveja a muitos líderes políticos. Ao sair do Palácio do Planalto ao fim de dois mandatos, o ex-metalúrgico gozava de uma taxa de aprovação de 87%. E apesar de seus reveses com um setor da justiça, Lula é o favorito às eleições presidenciais, segundo todas as pesquisas de opinião. No segundo turno, vence qualquer candidato. Uma afronta ao governo golpista do presidente Michel Temer, que trabalha para desfazer as reformas sociais tímidas, mas reais, do PT.
Foi ainda mais insuportável para a oposição ver o petista lançar oficialmente, em 27 de maio, sua pré-candidatura à eleição presidencial de dentro de sua cela de quinze metros quadrados. Houve atos de lançamento em 70 cidades brasileiras e dezenas de capitais. Em 18 de maio, em coluna publicada no Le Monde, Lula justificou sua candidatura, e lembrou que "uma parte da população que apoiou a queda de Dilma Rousseff (...) percebeu que o golpe não foi contra o PT. Foi contra a ascensão social dos mais pobres e contra os direitos dos trabalhadores. Contra o Brasil”.
Tradução de Clarisse Meireles
Fonte: www.cartamaior.com.br
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