quarta-feira, 2 de maio de 2018

O plano B de Jaques Wagner


O jornal O Estado de São Paulo publicou, as 16h51 do dia 1 de maio de 2018, um artigo de Ricardo Galhardo comentando opiniões do ex-governador Jaques Wagner.
Segundo o artigo, Jaques Wagner teria dito que o PT pode vir a indicar o vice de Ciro Gomes.
Reproduzo ao final o artigo citado. Até agora, que saiba, Wagner não retificou as opiniões ali publicadas.
Como virou costume entre os defensores do chamado B, Wagner nega peremptoriamente que defenda plano “B, C, X, Y ou Z”.
Mas para Wagner sustentar a candidatura do Lula vale apenas até que “até que alguém diga que ele está interditado definitivamente”.
Ou seja: para Wagner, defender Lula agora é apenas uma etapa. Afinal, diz o ex-governador, “ninguém traça uma estratégia já pensando em plano B”.
O termo mágico na frase acima é “já”.
Ou seja: não devemos começar falando disso, mas é nisso que vamos terminar se “alguém” disser que Lula está “interditado definitivamente”.
Considero um avanço que Wagner e outros setores do PT estejam levando em consideração a possibilidade de a candidatura Lula ser “interditada definitivamente”.
Afinal, não faz muito tempo, havia um setor do Partido e da esquerda que não acreditava que pudessem ocorrer a prisão, a condenação e o golpe. Estas e outras ilusões no inimigo contribuíram para nossas sucessivas derrotas, desde janeiro de 2015.
Também considero um avanço que se debata publicamente o tema, entre outros motivos porque isto permite que o conjunto da esquerda possa participar da discussão e influir nas decisões que venham a ser tomadas.
Decisões entre quatro paredes, tomadas por meia dúzia, não são boas nunca; e neste momento, resultariam em total desastre.
Feitas estas ressalvas, a proposta de Wagner -- se materializada, o que considero impossível – seria pior que um equívoco tático: provocaria um retrocesso estratégico de décadas.
Apoiar Ciro Gomes presidente seria voltar aos tempos em que a esquerda brasileira era apoiadora subalterna de líderes do “centro”. A existência do PT contribuiu para superar aquela situação. O que Wagner defende nos conduziria de volta àquele passado.
O argumento de Wagner em favor desta hipótese chega a ser ingênuo: “Sempre defendi que, após 16 anos, estava na hora de ceder a precedência. Sempre achei isso. Não conheço na democracia ninguém que fica 30 anos. Em geral fica 12, 16, 20 anos. Defendi isso quando o Eduardo Campos ainda era vivo. Estou à vontade neste território”.
A ingenuidade, digamos assim, consiste em não perceber que não estamos mais “na democracia”, entendendo por isto o ambiente político que prevaleceu entre 1989 e 2014. O golpe de 2016 e a prisão de Lula criaram uma situação nova, em que raciocínios do tipo “precedência” não fazem o menor sentido.
O objetivo da direita não é apenas impedir Lula de concorrer, vencer e governar novamente. O objetivo da direita inclui destruir o Partido dos Trabalhadores e impedir que a esquerda brasileira continue sendo alternativa de governo. Neste ambiente, ceder a “precedência” para um personagem como Ciro Gomes contribui para os objetivos da direita.
Aliás, Ciro Gomes não tem enganado ninguém acerca de suas opiniões sobre o PT. Ele escolheu construir uma estratégia sem o PT e, em boa medida, contra o PT.
Isto impede “conversar” com Ciro ou com qualquer outro? Óbvio que não.
O problema não consiste em “conversar”; o problema consiste em decidir sobre o quê conversar, com quais intenções conversar. E as intenções de Wagner (e de Ciro) são claras, porém inaceitáveis, ao menos para quem considera que a “precedência” do PT não é um detalhe qualquer.
Assim como não é um detalhe interpretar bondosamente a candidatura de Joaquim Barbosa. Não se trata apenas do papel que ele jogou no julgamento da AP 470. Nem se trata do fato dele ser candidato pelo PSB, que apoiou Aécio e votou a favor do golpe.
Trata-se do “lugar” que ele está buscando ocupar na disputa eleitoral de 2018 e, principalmente, trata-se do programa que ele já sinalizou estar disposto a defender.
Wagner, como já se disse, era a favor de abrir mão da “precedência” já em 2014. Está disposto a fazer isto em 2018. E lamenta que o golpismo tenha nos colocado numa situação que dificulta isto: “o problema é que a prisão do Lula nos coloca numa posição de resistência. Não posso dizer hoje que estou abrindo para qualquer um. É dizer o que? 'Lula, tchau e benção?' A situação é complicada”.
Realmente, é uma situação complicada, mas principalmente por um motivo que Wagner não cita: a prisão de Lula e a “interdição definitiva” de sua candidatura converterão a eleição de 2018 numa fraude.
Não se trata apenas de um problema para o PT. Ao impedir Lula de participar da campanha, como candidato e/ou como apoiador, o golpismo está fraudando e adulterando antecipadamente o resultado das eleições.
É principalmente por isto que a “situação é complicada”.
E o que Wagner tem a dizer sobre isto? Ao menos aparentemente, nada! Afinal, quem defende a hipótese do PT indicar o vice de Ciro, não parece estar muito preocupado com a fraude.
Eleição sem Lula é fraude: esta pequena frase causa incômodo em muita gente. Não há reunião ou documento em que não se busque substituir a frase por outra mais simpática, mais propositiva, menos agressiva etc.
Mas os fatos são cabeçudos: se a candidatura de Lula for “definitivamente interditada”, o resultado da eleição estará pré-definido antes que os eleitores votem, por obra e graça de um ato de arbítrio. O nome disto é fraude.
Claro que dentro e fora da esquerda brasileira existe quem pense diferente disto.
O golpismo não aceita que houve golpe, logo não vê porque falar em fraude.
Já na esquerda há quem acredite que, mesmo preso, mesmo sem poder fazer campanha, mesmo sem poder aparecer no horário eleitoral gratuito, Lula seria capaz de transferir votos e levar alguma candidatura para o segundo turno, como fez com Dilma em 2010 (curiosamente, nenhum dos defensores da tese da transferência de votos propõe que Dilma seja candidata a presidência em 2018).
Suponhamos que mesmo com Lula preso e impedido de ser candidato, a chance de levar alguém da esquerda ao segundo turno fossem altas. É claro que nesta hipótese, faria algum sentido correr o risco de lançar outro nome do PT ou mesmo de apoiar uma candidatura de outro partido.
Mas suponhamos o contrário: que a interdição de Lula torne muito pouco provável, para não dizer praticamente impossível, que a esquerda possa estar no segundo turno.
Neste caso, o desfecho seria: entraríamos no processo afirmando ter maioria e sairíamos dele derrotados duplamente, pois não poderíamos nem mesmo reclamar que fomos vítimas de uma fraude.
Para os que trabalhamos com esta “suposição”, só há duas alternativas aceitáveis no que diz respeito à eleição presidencial: ou participamos com Lula candidato; ou participamos com o objetivo de denunciar a fraude, deslegitimar o resultado e criar assim melhores condições para fazermos oposição ao futuro governo federal.
E como participar denunciando a fraude? De momento, há apenas duas hipóteses: ou não substituir Lula, caso ele venha a ser “interditado definitivamente”; ou lançando em seu lugar uma “anti-candidatura”, que tenha como objetivo denunciar o golpe e defender o PT.
Voltamos, portanto, ao ponto inicial: a questão da “precedência” do PT não é um detalhe.
Podemos achar que se trata de um erro político, mas não há motivo para discutir a legitimidade, o direito de outros partidos da esquerda e/ou contrários ao golpe lançarem suas candidaturas à presidência da República.
Mas também não há motivo para tergiversar sobre o seguinte: desde 1989, o Partido dos Trabalhadores é o eixo ao redor do qual se organizam as forças democráticas, populares e socialistas.
Sabendo disto, o setor hegemônico do golpismo trabalha para desmoralizar, estrangular e até mesmo tirar o Partido da legalidade.
Também sabendo disto, alguns setores da esquerda enxergam, na situação atual, uma oportunidade para disputar o que tratam como “espólio”, sem perceber que agindo assim contribuem para o contrário do que dizem desejar.
Finalmente, é pelos mesmos motivos que, em todas as nossas discussões táticas e estratégicas, precisamos levar em conta como melhor defender o Partido dos Trabalhadores, não como um fim em si mesmo, mas como este eixo ao redor do qual a maior parte da esquerda brasileira se fortaleceu desde 1989 e vem resistindo ao golpe desde 2016.
Renunciar voluntariamente à condição hegemônica do PT, escondendo nosso partido e suas lideranças atrás de um biombo, não contribuiria para derrotar o golpismo, nem ajudaria a esquerda a reencontrar nosso caminho para o poder, para as reformas democrático-populares e para o socialismo.
Por isto, a possibilidade sugerida por Wagner é na verdade pior que um plano B. Está mais para "plano S", S de suicídio.
Fonte: 247

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