Com três anos de investigações, a Lava Jato continua sendo tratada pela grande mídia como uma ação de "salvação nacional" e de "combate ao flagelo da corrupção". No mundo jurídico essa tese é amplamente contestada por juristas que apontam abusos de poder e violação de direitos fundamentais.
Reprodução STF
Ela Wiencko, subprocuradora-geral da República
Entre os procuradores do Ministério Público Federal o discurso que predominava na grande mídia era o de defesa da Lava Jato. Mas durante o 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, em São Paulo, nesta quarta-feira (30), a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho, fez duras críticas aos processos relacionados à operação que, segundo ela, seguem caminhos de exceção, em que se relativizam direitos, há “seletividade na escolha dos alvos da investigação” e o desejo de democracia é substituído pelo desejo de audiência.
“O que foi feito nessas operações passou de alguns limites, algumas garantias individuais: da presunção da inocência, da proteção da imagem, do devido processo que seja realmente equilibrado. Por que alguns processos andam mais depressa do que os outros? A gente não ganha nada com isso”, enfatizou ela, que foi vice-procuradora-geral da República na gestão de Rodrigo Janot até agosto de 2016 e uma das oito candidatas para ocupar a vaga a partir de setembro deste ano.
Segundo ela, tanto a “lava jato” como a Ação Penal 470, conhecida como do mensalão, se encaixam nas características contrárias ao garantismo, formuladas pelo criminalista e professor Fernando Hideo Lacerda, entre as quais, a aplicação distorcida da teoria do domínio do fato e julgamentos de acordo com a “opinião pública(da)”, que segundo a subprocuradora transformam procedimentos em espetáculo e cumprem “interesses dos sistemas político e midiático”.
A afirmação da procuradora federal acontece na mesma semana que um filme sobre o processo é lançando e o evento de estreia contou com a presença de diversos membros do Poder Judiciário, inclusive o juiz Sérgio Moro, que comanda os processos da Lava Jato em primeira instância.
Para Wiecko, a espetacularização do processo fabrica uma luta entre o bem e o mal: “Para punir os bandidos que violam a lei, os mocinhos também violam a lei”, enfatizou ela, citando a filósofa Márcia Tiburi.
“Para agradar a audiência desconsideram-se consequências sociais e econômicas e são vazadas informações sigilosas aos poucos, de acordo com interesses”, completou.
Conduções coercitivas
A procuradora também criticou as conduções coercitivas por considerar que a pratica “não está alcançada nas regras legais”.
Ela reforçou que a seletividade do processo penal tem sido ampliada para escolher o tempo em que cada investigado será alvo de operações, criando um ambiente de exceção. Wiecko declarou ainda que a operação italiana “Mãos Limpas”, que Moro diz se inspirar para conduzir a Lava Jato, acabou posteriormente tendo procedimentos de exceção aplicados aos mais pobres, como suspeitos de tráfico de drogas.
Wiencko apontou que tão tese surgiu a partir dos anos 1990, com especialistas que queriam supostamente estender a Justiça penal para classes mais privilegiadas. Ela citou o juiz Moro e o criminalista gaúcho Luciano Feldens como um dos percursores dessa tese que, na sua avaliação, teve a sua aplicação “simplifica as coisas” ao avaliar que a impunidade é sempre causa da corrupção.
“O Ministério Público, se quer atuar na história da teoria econômica do Direito, tem que atuar de forma regrada, não pode ter pena negociada caso a caso. No que se refere ao acordo de leniência, a participação do Ministério Público faz com que a instituição entre na regulação da economia. A gente quer isso? Isso está na Constituição? Isso precisa ser claramente discutido. Tudo o que aconteceu até agora mostra que temos de enfrentar o problema de estabelecer democracia no país.”
Código próprio
O professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, da Universidade Federal do Paraná e convidado para o mesmo painel, afirmou que o discurso da eficiência penal tem ultrapassado a preocupação com o respeito ao processo de Justiça.
Ele afirmou que, como diz o juiz Alexandre Morais da Rosa, cada vara do país adota hoje um Código Penal próprio. Embora considere comum a existência de juízes contra legem, Miranda Coutinho disse que tribunais superiores passaram a fazer “vista grossa” para condutas irregulares.
“Agora não tem mais controle”, reclamou. “Trânsito em julgado não é nem mais trânsito em julgado.” Segundo o professor, a busca por mais punição desde os anos 1990 gerou apenas mais medo da violência, sem resultados positivos.
Do Portal Vermelho, com informações do Conjur
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