terça-feira, 18 de julho de 2017

Roberto Amaral: Por que Lula?



Leandro Taques
 
 





















Antes de tudo, estava lavrada pelas classes dominantes – os rentistas da Avenida Paulista, as “elites” alienadas, a burguesia preconceituosa, um empresariado sem vínculos com os destinos do povo e de seu país. Uma “elite” movida pelo ódio e pela inveja que alimenta a vendeta.  Denúncia, julgamento, condenação constituem uma só operação política, cujo objetivo é avançar mais um passo na consolidação do golpe em progresso iniciado com a deposição da presidenta Dilma Rousseff.

Tomado de assalto o poder, cumpriria agora destruir eleitoralmente a esquerda, numa ofensiva que lembra a ditadura instalada em 1964. Para destruir a esquerda é preciso destruir seu principal símbolo, assim como para destruir o trabalhismo caberia destruir o melhor legado de Getúlio Vargas. Não por mera coincidência, o dr. Sérgio Moro decidiu dar à luz a sentença a ele encomendada no dia seguinte em que o Senado Federal violentava a Consolidação das Leis do Trabalho.

Desinformando e formando opinião, exaltando seus apaniguados e difamando aqueles que considera seus inimigos, inimigos de classe, a grande imprensa brasileira promove o cerco político, e tece as base da ofensiva ideológica unilateral, porque produto de um monólogo.

Essa imprensa – um oligopólio empresarial, um monopólio político-partidário-ideológico e na verdade o principal partido da direita – que exigiu e obteve a condenação de Lula (e presentemente tenta justificá-la, embora carente de argumentos) recebeu com rojões juninos a sentença encomendada, mas logo se enfureceu porque Lula recusou o cadafalso político e anunciou sua candidatura à presidência.

Ora, dizem os editoriais, os articulistas, os colaboradores, dizem os “cientistas” políticos do sistema, Lula não pode ser candidato, o que revela a motivação da sentença. Já há “cientistas” exigindo que o TRF-4, em Porto Alegre, confirme sem tardança a condenação, e “filósofos” anunciando que a candidatura Lula é um desserviço à democracia (ela que lidera todas as pesquisas de intenção de voto) porque “polarizaria” o debate e as eleições. Doria, não. Bolsonaro, não. Caiado, não. Alckmin tampouco polariza. Mas Lula, sim; por isso precisa ser defenestrado.

A “vênus de prata” já começou a campanha visando à condenação de Lula na segunda instância, e o Estadão (edição de 14 último) anuncia que o “Supremo deve manter condenação de Lula”.
Somos testemunhas da tentativa de revanche da direita brasileira. Impedir a candidatura Lula é a defesa prévia ante a ameaça de a população demolir o golpe com as eleições de 2018.

O fato de o libelo (e jamais sentença) de Moro ser obra conhecida, segredo de polichinelo, não releva seu caráter mesquinho e iníquo, ademais de sua inépcia jurídica, desnudada. Do ponto de vista do direito, a “sentença” é um mostrengo e se fundamenta em ilações, presunções, talvez “convicções”, artifícios de raciocínio em conflito com a lógica.

Contrariando o direito, que só conhece propriedade e posse, o juiz inventa a figura do “proprietário de fato”. A propriedade, segundo nosso Código Civil, se prova mediante o registro em Cartório, mas para acusar Lula se aceita que uma simples delação do proprietário real seja recebida como transferência, e como esse proprietário supostamente doador, empreiteiro respondendo a processos, é usufrutuário de falcatruas, conclui o juiz açodado que o apartamento deve ter sido dado em retribuição a alguma facilidade propiciada pelo ex-presidente, trata-se, portanto, de uma propina. E se é propina, Lula é agente passivo de corrupção.

E por tais caminhos sinuosos, mediante tal exercício de lógica pedestre, condena à cadeia o ex-presidente, para puni-lo, evidentemente, mas para punir antes de tudo com a decretação de sua inelegibilidade. É disto que se trata. Não cabe, pois, discutir a gramática processualística, simples apoio formal de uma decisão eminentemente política, e, do ponto de vista político, um golpe preventivo em face das eleições de 2018, das quais previamente e precatadamente se elimina o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto. É preciso abater esse candidato, pelo que ele simboliza. E assim, e só assim, as eleições poderão realizar-se, disputada a presidência entre Francisco e Chico.

Como temos insistido, às forças do atraso não bastava o impeachment de Dilma Rousseff, pois, o projeto em andamento é a implantação de um regime de exceção jurídica voltado para a desmontagem de um projeto de Estado social, mal enunciado. E um regime com tais características e com tais propósitos jamais alçaria voo dependendo do apoio popular. Daí o golpe. À sua execução se entregou o Congresso, sem ouvidos para as vozes das ruas, surdo em face dos interesses do País e de seu povo, desapartado da representação popular, a serviço do mercado, como tonitrua, sem pejo, o atual presidente da Câmara.

A eliminação de Lula é, pois, a conditio sine qua non do novo sistema para manter o calendário eleitoral, pois as eleições, para serem realizadas, não poderão importar em risco. De uma forma ou de outra, trata-se de um golpe, afastando-se uma vez mais do povo o direito de escolher seus dirigentes.

A identificação de Lula como alvo da reação não é gratuita, nem fato isolado. Lula de há muito transcendeu os limites de eventual projeto pessoal, é mais do que um ex-presidente da República, e é muito mais que fundador e presidente do PT. Independentemente de sua vontade e da vontade de seus inimigos, é, para além de sua popularidade, o mais destacado ícone da esquerda e das forças populares brasileiras. Lula é, hoje, e em que pesem suas contradições, um símbolo, um símbolo da capacidade de nosso povo fazer-se agente de sua História. É um símbolo das possibilidades de o ser humano vencer suas circunstâncias, romper com as contingências e fazer-se ator. Simboliza a potência do povão, do povo-massa, dos “de baixo”, dos filhos da Senzala como sujeitos históricos. Simboliza a possibilidade de o homem comum, um operário, romper com as amarras da sociedade de classes, racista e preconceituosa, e liderá-la num projeto de construção de uma sociedade em busca de menos desigualdade social. Por isso é amado e odiado.

Símbolos assim constituem instrumentos de importância capital nos confrontos políticos por sua capacidade de emocionar e mobilizar multidões. Símbolos deste tipo não surgem como frutos do acaso nem se multiplicam facilmente, nem se constroem da noite para o dia. Emergem em circunstâncias especiais, atendendo a demandas concretas da sociedade. São construídos ao longo de certo tempo de provação, de testes dolorosos, como ocorre com os heróis clássicos, percebidos pela comunidade como portadores de virtudes.

O símbolo Lula não é produto do acaso, nem consequência de um projeto individual. Trata-se do fruto histórico resultante do encontro do movimento sindical com as lutas populares, construindo a primeira liderança política brasileira que emergiu do proletariado, do chão de fábrica, para a Presidência da República. Um feito de dificílima repetição, neste país aferrado ao autoritarismo conservador.

É contra esse instrumento da luta política de massa que se arma a prepotência das classes dominantes brasileiras, filhas do escravismo, incuravelmente reacionárias, incuravelmente atrasadas, presas à ideologia da Casa Grande, desapartadas dos interesses do povo e da nação, descomprometidas com o futuro do país.

Ao abater Lula, pretende a direita brasileira dizer que o povo – no caso um ex-imigrante do Nordeste profundo, sobrevivente da fome, um ex-metalúrgico, um brasileiro homem-comum, um dos nossos –, não pode ter acesso ao Olimpo reservado aos donos do poder. É um “chega prá-lá”, um “conheça o seu lugar”, um “não se atreva”, um “veja com quem está falando”.

A condenação de Lula tem o objetivo de barrar a emergência das massas, barrar os interesses da nação, barrar o avanço social, barrar o ideal de um Brasil desenvolvido e justo. Visa a barrar não o lulismo, mas todo o movimento popular brasileiro. Quer deter não apenas o PT, mas todas as organizações políticas do espectro popular (que não se enganem a esse respeito aqueles que sonham em crescer nos eventuais escombros do lulopetismo).

A defesa de Lula, a partir de agora, não é uma tarefa, apenas, de seu partido e dos seus seguidores. Ela representa, hoje, a defesa da democracia. É só a primeira batalha, pois muitas nos aguardam até 2018.



*Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.
Fonte: Portal Vermelho

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