Dos 580 presos políticos catarinenses na ditadura, 27 eram mulheres.
Depoimentos lembram momentos nos centros de tortura do país e de SC.
Dos 580 catarinenses presos durante o regime militar, identificados pela Comissão da Verdade Paulo Stuart Wright, 27 eram mulheres. Entre elas, Derlei Catarina de Luca e Rosângela Souza. Em comum, uma história de tortura e lutas em busca da preservação da memória das vítimas da Ditadura brasileira. Ambas atuam de forma ativa na identificação dos presos, torturados e mortos do estado onde nasceram e vivem. O golpe militar de 1964 completa 50 anos nesta segunda-feira (31).
Derlei foi presa três vezes. A primeira foi durante um Congresso da União Nacional de Estudantes, em Ibiúna (SP), em 12 de outubro de 1968, quando todos os participantes foram detidos. Depois, em 5 de dezembro de 1968 foi presa em Florianópolis. Quase um ano depois foi capturada durante a Operação Bandeirante, em São Paulo, em 23 de novembro de 1969, centro clandestino do Exército financiado por empresários para cassar, torturar e matar os opositores do regime, que mais tarde se transformou no Doi/Codi. Natural de Içara, na terceira detenção, ela foi torturada e mantida encarcerada por vários meses. Passou por praticamente todos os tipos de tortura física empregados na época: pau-de-arara, cadeira do dragão, choque elétrico e a palmatória.
(ESPECIAL "50 ANOS DO GOLPE MILITAR": a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, desencadeou uma série de fatos que culminaram em um golpe de estado em 31 de março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos militares com apoio de setores da sociedade, que temiam que ele desse um golpe de esquerda, coisa que seus partidários negam até hoje. O ambiente político se radicalizou, porque Jango prometia fazer as chamadas reformas de base na "lei ou na marra", com ajuda de sindicatos e de membros das Forças Armadas. Os militares prometiam entregar logo o poder aos civis, mas o país viveu uma ditadura que durou 21 anos, terminando em 1985. Saiba mais.)
A então estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi convidada a deixar os estudos depois de participar do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna (SP), quando todos os participantes foram detidas. Tempo depois, ela foi pega novamente com uma maleta cheia de documentos comunistas de outros países. Ela relata que conheceu a sala de tortura às 19h de 23 de novembro de 1969.
"A primeira noite é indescritível. Arrancam minhas roupas. Sou pendurada no pau-de arara, recebo choques elétricos nos dedos, vagina, ouvido. Quebram meus dentes. A dor é lancinante. Tão intensa que nem dá para gritar. O sangue escorre pela cabeça, melando os cabelos e pescoço. Os braços, seios e maxilar recebem pancadas e coronhadas de revólver. São vários homens gritando. Ninguém pergunta objetivamente nada. Eles berram”, relembra a ex-militante da Ação Popular, no livro "No Corpo e na Alma", que começou a escrever durante seu exílio em Cuba.
As agressões sofridas na primeira semana de reclusão a fizeram passar quatro dias desacordada. Levada para um hospital, foi medicada e recebeu tratamento até ser removida novamente e agredida mesmo engessada e machucada das torturas anteriores.
As sequelas daquela época ficaram marcadas no corpo e na alma, como ela mesma descreve em livro. Por causa das agressões, passou 20 anos em tratamento por problemas renais.
Foi exilada, no Chile, Panamá e depois em Cuba. Voltou para o Brasil com a Anistia em 1979 e continuou lutando em busca dos desaparecidos políticos. Hoje, ela é apontada por historiadores e militantes como uma das pessoas mais engajadas no estado de Santa Catarina.
Faltou com respeito com o presidente
Rosangela Souza foi presa aos 23 anos em 1979, por ter "faltado com o respeito com o então presidente, general Figueiredo. Na época estudante de Direito da UFSC, ela ajudou a organizar uma manifestação pública contra o governo vigente. Por causa disso, ficou presa dez dias e foi julgada pelo Tribunal Militar em Curitiba.
Durante oito dias, ela permaneceu incomunicável no Hospital Militar, em Florianópolis, quando foi interrogada e ameaçada. “Fui retirada da cama às 6h por policiais federais. Os carcereiros eram meus amigos de sala”, contou à Comissão da Verdade.
Atualmente, ela é advogada e atua na busca de informações dos presos, desaparecidos e mortos políticos da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina. É responsável por fazer o levantamento dos profissionais que sofreram repressão durante o regime militar.
Segundo ela, apesar dos dados obtidos ainda falta ter acesso a muitas informações cruciais para desvendar todos os abusos cometidos duranta a ditadura. Ela cita os arquivos da Marinha que continuam intocados. Conforme a advogada, foi um dos locais com os piores casos de tortura e desaparecimentos. “Nós temos que conseguir os arquivos do Cenimar”, ressaltou.
O posicionamento dela é enfático sobre os crimes cometidos naquela época. Em depoimento para a comissão da verdade e ao G1 defendeu: “precisamos da verdade. Depois, de justiça. Muitos jovens que não cometeram crime algum foram assassinados pelo estado. Os assassinos têm de ir para a cadeia. Esta é a minha posição particular”.
Fonte: g1.globo.com/
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