sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Novo aeroporto corre risco de virar uma espécie de elefante branco

Aeroporto não teria a mínima chance de transforma-se num hub de passageiros.



Futuro do Aeroporto de São Gonçalo é duvidoso e já começa a preocupar. Foto: Divulgação
Futuro do Aeroporto de São Gonçalo é duvidoso e já começa a preocupar. Foto: Divulgação
Marcelo Hollanda
hollandajornalista@gmail.com

Há mais ou menos um mês, o chefe do Gabinete Civil do Estado, Carlos Augusto Rosado, recebeu a visita de Nestor Galhardo, um especialista em aviação, comandante com mais de 12 mil horas de voos em aeronaves de grande porte, buscando uma das vagas abertas para o cargo de assessor aeronáutico, cujo preenchimento é uma exclusividade de todos que já ocuparam a cadeira de governador.
Ao sair do encontro sem o emprego, Carlos Augusto nem buscou saber do seu interlocutor porque ele havia dito durante a conversa que tinha uma solução para o novo aeroporto de São Gonçalo do Amarante que, em sua opinião, corria sérios riscos de se transformar num projeto inviável ou, para usar uma expressão desagradável, em um “elefante branco”.
Hoje, o secretário de Tributação, José Airton da Silva, foi obrigado a adiar a entrega de seu parecer sobre a viabilidade do Estado desonerar o ICMS sobre querosene de aviação de avião (de 17% para 12%) com forma de atrair mais voos para o RN, que já perdeu três mil nos últimos dois anos.
Mesmo diante da pressão do consórcio Inframérica, que constrói e administrará o terminal, que expressou claramente seu temor de que o aeroporto de São Gonçalo comece a operar com o mesmo número de passageiros do Augusto Severo, Carlos Augusto – a quem caberá a palavra final sobre a desoneração do QAV -, nem assim teve a curiosidade de saber o que o comandante Nestor Galhardo, com notória experiência na área, tinha a dizer.
Hoje, falando com exclusividade ao JH, Galhardo foi taxativo ao afirmar que, independentemente de desonerações que possam ocorrer ou da boa vontade dos políticos e secretários de estado em buscar de volta os voos perdidos, o fato é que esse aeroporto “não terá a mínima chance de transforma-se num hub de passageiros” como os entusiastas do empreendimento alardeiam.
E o argumento que ele usa é muito mais indigesto do que o temor expresso por um consultor da Inframéria durante a audiência pública convocada na Assembleia Legislativa esta semana para tratar exclusivamente da proposta de desoneração do querosene de aviação. Trocando em miúdos, o que o comandante Nestor Galhardo sustenta é que se forem inteligentes os administradores do novo terminal pensarão em, no máximo, transformar São Gonçalo em um aeroporto de conexão, acabando com o mito de transformá-lo de hub de passageiros e, quanto mais, de cargas.
Há vários fatores pesando para isso, segundo explica. “Não se concebe mais nos tempos de hoje um aeroporto com uma única pista como é o de São Gonçalo, quando os mais de 50 terminais mais importantes do planeta têm três pistas, entre eles, inclusive, o Augusto Severo, que durante a Segunda Grande Guerra foi temporariamente o mais importante do mundo por causa de sua localização geográfica”, afirma.
Até por isso, Nestor Galhardo entende porque se criou tanta expectativa sobre o aeroporto de São Gonçalo. “No começo, havia até interesse da Nasa para se associar ao projeto de São Gonçalo para transformá-lo numa possível base de ônibus espaciais”, lembra. Mas, como se sabe, depois que o governo norte-americano enterrou os voos tripulados, o aeroporto passou anos hibernando até que foi ressuscitado pelo desejo de políticos de livrarem o estado do estigma da perda de uma refinaria e de outros importantes projetos.
Graças as Forças Armadas, que usaram seus soldados como operários, é que a pista de 60 metros de largura de São Gonçalo (hoje governador Aluizio Alves), capaz de receber um cargueiro do A380, com capacidade para 800 passageiros, sustentou o mito de desenvolvimento baseado num grande aeroporto.
E o projeto que originalmente foi concebido para cargas, ainda durante o governo Wilma de Faria, migrou discretamente para o de aeroporto de passageiros. E, mais recentemente, como o primeiro modelo de terminal inteiramente privado, fora das garras nem sempre eficientes da Infraero.
“O problema – alerta Nestor Galhardo – é que o destino dos aeroportos não está subordinado à vontade política, mas às condições internacionais sobre as quais os políticos e administradores aeroportuários  não têm qualquer gerência”.

Para ser um hub, o aeroporto precisará de uma infraestrutura de rodovias, ferrovias e portos capazes de suportar a demanda que lhe é projetada. O Rio Grande do Norte à duras penas constrói os acessos rodoviários e, mesmo assim, quando o aeroporto estiver pronto, essas ligações serão parcialmente entregues. O próprio consultor tributário do consórcio Inframérica, que não é nenhum especialista em aeroportos, disse isso por ocasião da audiência pública na Assembleia. Declarou textualmente: “Se não houver passageiros, o aeroporto não passará de uma construção”.
Mas, de acordo com o comandante Galhardo, os problemas não param por aqui. Os hubs mais bem sucedidos do mundo, como são o caso de Singapura e do Canadá, o são por estarem próximos ao Meridiano de Greenwich, linha vertical imaginária que divide o planeta entre Oriente e Ocidente e balizados de horários e datas em todo mundo. Não é o caso do aeroporto de São Gonçalo.
Segundo o comandante Nestor Galhardo, só isso já inviabilizaria a ideia de um hub para o terminal, sem mencionar as outras deficiências de ordem infraestrutural. Isso, porque as companhias enviam a maioria de suas aeronaves pesadas para se abastecer em aeroportos mais próximos ao meridiano.
“Não é à toa que o Aeroporto Internacional de Anchorage – também conhecido por Aeroporto Internacional Ted Stevens -, bem próximo a Greenwich, recebe cinco milhões de viajantes por ano mesmo estando em terras geladas”, observa. O motivo: muitas aeronaves o usam apenas para abastecer.
Além disso, ele alerta que atualmente há uma consciência pública sobre a importâncias de voos curtos importantes para passageiros acima de 50 anos não sofrerem por estarem sob a pressurização das aeronaves por muitas horas. E nisso talvez resida a tese do comandante em pensar no aeroporto de passageiros num terminal de conexão, dirigindo todo o seu plano comercial para isso. “É um trabalho de retorno para daqui a cinco anos, mas que precisa começar imediatamente”, opinou.
Por fim, o comandante diz ainda que a expressão hub deve ser banida de uma vez por todas do vocabulário do aeroporto de São Gonçalo do Amarante. Mas quando ia falar tudo isso para o chefe da Casa Civil, ele deu a reunião por encerrada.

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