domingo, 11 de agosto de 2013

'Ele ainda está muito vivo', diz pai de menino vítima do tráfico de órgãos

Pai que está asilado prepara livro sobre o caso da 'Máfia dos Órgãos'.
Ele perdeu o filho de maneira suspeita e quer relatar 13 anos de luta.



Paulo Airton Pavesi e o filho que morreu há 13 anos em Poços de Caldas (Foto: Paulo Airton Pavesi/ Arquivo pessoal)Paulo Airton Pavesi e o filho que morreu há 13 anos em Poços de Caldas (Foto: Paulo Airton Pavesi/ Arquivo pessoal)
“Ele ainda está muito vivo para mim”, disse Paulo Airton Pavesi, de 45 anos, que há 13 anos transforma a dor em luta e pede punição para os supostos responsáveis pela perda do filho, Paulo Veronesi Pavesi,  o Paulinho, morto aos 10 anos em abril de 2000, em Poços de Caldas(MG). O menino ficou gravemente ferido após cair do prédio onde morava e teve os órgãos retirados quando ainda supostamente estava vivo.
Ás vésperas do Dia dos Pais e de prestar mais um depoimento sobre o caso – desta vez para o julgamento de três médicos acusados de participação na cirurgia de retirada dos órgãos e do possível tráfico de rins e córneas do menino – Pavesi vive na Europa e concedeu uma entrevista pela internet ao G1. Ele contou como lidou com a morte do garoto e, apesar de se dizer incrédulo na Justiça, atualiza com frequência o blog onde expõe toda a história e se posiciona contra o tráfico e a doação de órgãos, além de organizar um livro para contar 13 anos de luta na Justiça e tentar provar que o filho foi submetido à retirada ilegal de órgãos. Pavesi também participou do documentário italiano Human Organ Traffic (HOT), que falou sobre o tráfico de órgãos em diferentes partes do mundo.
Paulinho brincava com os amigos quando caiu da sacada de uma área de lazer que ficava no primeiro andar do prédio onde morava com os pais. Após ser socorrido e hospitalizado, passou por uma cirurgia, foi induzido ao coma e dois dias depois, dado como potencial doador de órgãos, teve os rins e as córneas removidos.
Paulinho Pavesi morreu aos 10 anos após cair, passar por cirurgia e ter os órgãos removidos (Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal)
Paulinho Pavesi morreu aos 10 anos 
(Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal)
Quando o pai recebeu a conta do hospital – pouco menos de R$ 12 mil – questionou os valores ao observar rasuras nos prontuários. A documentação apresentada mostrava supostas contradições no diagnóstico de morte encefálica do garoto. O médico responsável teria registrado a observação "sem morte encefálica", portanto não cumpria os requisitos  para a retirada dos órgãos.

Uma dupla cobrança - feita ao pai e também ao Serviço Único de Saúde (SUS) - dos serviços de internação, antestesia e remoção de órgãos fizeram com que Pavesi suspeitasse das irregularidades praticadas pela equipe responsável por transplantes. A partir daí, várias investigações tiveram início e motivaram a CPI do Tráfico de Órgãos em Brasília. A tramitação dos processos já dura 13 anos.

“Esses últimos 13 anos foram predatórios. Perdi tudo o que eu tinha, desde amigos até bens materiais. Para falar a verdade, até hoje não tive tempo de assimilar a perda. Eu vejo o Paulinho quase que diariamente, ao entrar no blog ou mexer nas minhas coisas. Ele está aqui todos os dias”, comentou.
Esses últimos 13 anos foram predatórios. Eu vejo o Paulinho quase que diariamente, ao entrar no blog ou mexer nas minhas coisas. Ele está aqui todos os dias"
Paulo Pavesi
gerente de sistemas
Pai teve sonho ‘premonitório’ sobre a morte do filho
Tantos anos depois de mexer com processos, documentações e laudos médicos, o gerente de sistemas Pavesi confessa que não teve tanto tempo de ‘chorar’ a morte de Paulinho, mas lembra-se que teve um sonho ‘premonitório’ uma semana antes do acidente. “Eu sonhei que estava na Avenida Paulista, em São Paulo, com ele e a irmã dele, a Adriana. Iríamos a uma sessão de cinema, mas eu não pude entrar. Fiquei na rua esperando o filme acabar e de repente, teve uma explosão e o cinema foi destruído. Nesta hora, meu avô me ligou dizendo que foi uma tragédia, mas que eu precisava escolher um dos dois, mas não me disse o que seria a escolha. Eu acordei transpirando aquele dia. Foi horrível”, lembrou.

Após o sonho, Pavesi contou que notou que quando faltava luz no prédio – para onde tinha se mudado com a mulher e o filho recentemente – era necessário subir os andares pela escada, onde não havia luz. Assim, ele ligou para o Corpo de Bombeiros e pediu para que fosse feita uma vistoria no prédio, mas justamente no dia em que a vistoria aconteceria, Paulinho se acidentou.
Paulo Pavesi em coletiva de imprensa sobre o documentário H.O.T. (Foto: Arquivo Pessoal)
Pavesi em coletiva de imprensa sobre o documentário
H.O.T. (Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal)
“Eu fui para São Paulo na segunda-feira, como fazia toda semana para trabalhar e na terça-feira a mãe do Paulinho me ligou e disse que ele tinha ficado preso no elevador sozinho por quase uma hora. Na quarta-feira aconteceu o acidente e os bombeiros chegaram pouco tempo depois, justamente para fazer a vistoria que eu havia pedido”, lamentou.
Ainda em relação a sonhos, Pavesi conta que antes de descobrir as possíveis irregularidades no transplante do filho, sonhou que participaria de uma exumação, mas do corpo da filha. “Ela estava morta, em uma maca e um médico me entregou um bisturi, dizendo que a regra era que o pai deveria fazer a necropsia. De certo modo,  tudo isso aconteceu. Não sei explicar, e nem procurei muita explicação para isso”.
Médico disse que escreveu 'em me' e não 'sem me' conforme questiona o processo (Foto: Reprodução de documento)
Pai do garoto questiona prontuários médicos
(Foto: Reprodução de documento)
A notícia da morte e doação dos órgãos
Sobre a notícia da morte de Paulinho, o pai conta que foi bastante difícil. “Ele caiu e a mãe dele me ligou. Eu estava em São Paulo (SP) e ‘voei’ até Poços de Caldas. Quando cheguei, ele estava sendo operado.  Mas a notícia veio de maneira estranha, já que algumas horas antes me disseram que ele estava bem e iria se recuperar, depois me disseram que estava caminhando para um estado vegetativo e, em seguida disseram que estava morto. Teve um momento em que eu estava na UTI com ele, pouco antes de me falarem em morte e eu pensei: quantos pais estão na mesma situação nesse momento, mas vão perder o filho. Eu achava que ele não iria morrer, mas depois veio a notícia e pensei que se doasse os órgãos, poderia ajudar estes outros pais”, lembrou.

Ele também admite que foi a primeira pessoa em falar sobre a doação dos órgãos do garoto. Pavesi lembra que na madrugada anterior à morte do menino, conversou com um dos médicos que disse que ele estava bem e iria se recuperar, talvez com alguma sequela como convulsões, mas que não existiram novos problemas. “Na manhã do dia seguinte, quando eu fui ao hospital, o médico que o operou me chamou para uma sala e disse que tinha o diagnóstico de morte encefálica clínica, mas precisava confirmar. Fui eu quem falei em doação a primeira vez. Perguntei se o estado dele permitiria e o médico disse que sim, então eu assenti, que se a morte fosse confirmada, eu doaria”, disse.
Entretanto, Pavesi comenta que foi aí que o problema começou. “Acredito que a partir da minha declaração de que doaria os órgãos, tudo aconteceu. Eles não confirmaram a morte encefálica e já transferiram o Paulinho para a Santa Casa, pararam com os tratamentos e passaram a cuidar dele como um doador”, completou.
Paulo Veronesi Pavesi foi morto aos 10 anos em Poços de Caldas (Foto: Reprodução/EPTV)"O que me tortura é que nunca o verei crescido", diz pai de Paulinho (Foto: Reprodução/EPTV)



















A vida depois da morte
Após a morte de Paulinho e a descoberta das irregularidades, Pavesi passou a se dedicar ao processo e às etapas de encontrar os culpados pela retirada dos órgãos da criança ainda viva, conforme apontam processos da promotoria de Justiça de Poços de Caldas. Com isso, abandonou o emprego, passou a viver entre Brasília (DF) e Poços e algum tempo depois, decidiu-se pelo divórcio da mãe do Paulinho.

Em relação ao trabalho, ele dedica-se à criação de sites e ofícios ligados à informática e não pretende retornar o Brasil. “Infelizmente, as coisas são melhores na Europa e eu vivo bem aqui. Não pretendo voltar, até porque, fui muito ameaçado”.“Nós conversamos e resolvemos que isso era melhor. Eu estava muito distante. Em relação à minha filha, que tinha 6 anos quando o Paulinho morreu, eu tentei explicar para ela, 4 anos depois, todo o processo. Eu acho que ela sofreu muito também e não sei como ela trata isso na cabeça dela”, disse.
Mas, fora do Brasil, Pavesi se casou novamente e teve outra filha, a Cleo, de 8 anos.  Ee diz que formou uma grande família, mas lamenta não ter podido ver o filho crescer. “A morte faz parte da vida, o que não faz é assassinato. O que mais me tortura é saber que nunca o verei crescido. Ele será sempre o Paulinho”.
Cleo e Adriana, as filhas de Paulo Pavesi (Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal)
Cleo e Adriana, as filhas de Paulo Pavesi
(Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal)
Boas memórias e a saudade
Hoje, tanto tempo depois, Pavesi faz questão de preservar as boas memórias e confessa que a única vez em que teve uma grande crise de choro foi pouco antes de resolver se mudar do Brasil, quando pediu asilo após se sentir ameaçado. “Eu fui visitá-lo no cemitério e chorei muito, mas como eu disse, ainda o sinto muito vivo. Atualmente não me sinto triste, mas é lógico que ele faz muita falta, mas acho que ele está bem melhor do que nós. Nunca fui dramático. Aceito a morte porque faz parte da vida, como disse. Mas não aceito o que fizeram”. 

Pavesi conta também que prepara um livro com todo o material que vem guardando ao longo dos anos. “Eu tenho mais de 100 gigas de material armazenado. São entrevistas, áudio da CPI do tráfico de órgãos, recortes de revistas e jornais, entre outros. E é bem trabalhoso organizar isso tudo, mas eu tenho trabalhado quase que diariamente, embora tenha que esperar uma sentença para poder divulgar o livro”, anunciou.
O que mais me tortura é saber que nunca o verei crescido. Ele será sempre o Paulinho"
Paulo Pavesi
pai do garotro
Indagado se há algum arrependimento por ter dado início aos processos e a luta que já dura tantos anos, Pavesi conta que já se questionou sobre isso, mas que nunca pensou em parar. “Em vários momentos de muito estresse e pressão, já pensei que a minha vida talvez fosse melhor se eu não tivesse levado isso adiante, mas quando penso friamente, como agora, sei que teria feito tudo da mesma forma, ou com mais intensidade”, pontuou.
Em paralelo a isso, ele trabalha e tenta viver com a atual esposa e a filha. “Hoje eu tenho a Cleo, que nasceu em 2005 e tento ser bem presente para ela. Vou buscá-la na escola, saio para brincar na neve, ando de patinete, jogamos videogame. Já a Adriana, irmã de Paulinho, é mais difícil, porque ela mora no Brasil, mas o amor é o mesmo. Mas, como eu sempre falo, ainda hoje o Paulinho, mesmo que eu não deseje isso, ocupa muito meu tempo. Me arrependo, talvez, de não ter dado mais atenção e não ter ficado mais tempo com ele, mas éramos muito próximos mesmo Ele era muito especial, muito alegre e estava sempre feliz. Qualquer coisa virava festa. Fizemos muitas coisas juntos. Foi um período muito legal da minha vida”, finalizou.
Fonte: g1.globo.com

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