A secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) anunciou, durante reunião realizada ontem, uma série de medidas que visam a melhoria do atendimento na rede materno-infantil do Rio Grande do Norte. Entre as soluções apresentadas para amenizar a situação de caos, estão o remanejamento de profissionais que atendiam na Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (Apami) de São José de Mipibu e a suspensão do serviço de obstetrícia no hospital de Canguaretama. A demanda de ambas unidades será absorvida por um dos quatro hospitais regionais que a secretaria pretende reorganizar nos próximos vinte dias.
Edu Barboza
Em unidades como a Maternidade Januário Cicco, pacientes são acomodados em leitos improvisados no meio dos corredores
O assunto veio à tona após o constante registro de superlotações nas maternidades localizadas em Natal. Em unidades como a Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC) e o Hospital Santa Catarina a cena se repete diariamente: pacientes em leitos improvisados no meio dos corredores e falta de assistência adequada. O problema gerou casos graves e partos foram realizados no chão das maternidades.
O ponto nevrálgico do caos instalado nas unidades de saúde é a demanda oriunda do interior. Para se ter ideia, somente no ano de 2012, na MEJC, mais da metade dos atendimentos foram em pacientes de municípios vizinhos a Natal. A maternidade que deveria receber apenas mulheres com gravidez de risco, realiza partos que poderiam ser feitos em maternidades menores, nos próprios municípios de origem das pacientes.
Para debater o problema e tentar encontrar soluções emergenciais, a Sesap realizou, na tarde de ontem, uma reunião que contou com a presença de representantes do Ministério Público Estadual (MPE), do Conselho Regional de Medicina (Cremern) e secretários de saúde de 22 municípios da I e III Regional de Saúde do RN. “A assistência nas maternidades públicas não é digna. Não é possível que vamos passar o resto das nossas vidas tentando apagar o fogo dessas situações problemáticas. Não vamos mais tolerar essa situação”, disse o titular da Sesap, Luiz Roberto Fonseca.
A coordenadora das Promotorias de Saúde do MPE, Iara Pinheiro, frisou que a situação caótica na rede de atendimento materno-infantil não é novidade. “E se as condições das maternidades estão assim, há vários anos, é porque atendem os interesses mesquinhos e insuportáveis de alguém”, colocou. A promotora afirmou ainda que se solidarizava com as gestantes que procuram ajuda nas maternidades da rede pública. “Tenho pena dessas mulheres”.
Soluções
O secretário Luiz Roberto Fonseca apresentou algumas medidas [veja box] para tentar reduzir a superlotação nas maternidades localizadas na capital do Estado. Ele destacou ainda a relevância de uma correta contrarreferenciação, de modo a garantir que o usuário seja atendido no local onde reside, quando se tratar de um caso de baixo risco, cuja responsabilidade é do município, cabendo ao Estado atender o paciente em demandas de média e alta complexidade.
A Sesap definiu que quatro hospitais regionais serão reorganizados para ofertarem o serviço de obstetrícia. São eles: São José de Mipibu, Santo Antônio, São Paulo do Potengi e João Câmara. Para tanto, será necessário de alguns servidores. Nesse sentido, os profissionais que atendiam na Apami de São José de Mipibu serão relocados para o hospital daquele município.
De acordo com o secretário, no prazo máximo de vinte dias, todas as unidades estarão funcionando. Porém, há um ponto passível de reordenamento. Trata-se da quantidade de funcionários necessário para o perfeito funcionamento dos hospitais. O Cremern vai informar qual o número mínimo de profissionais necessário para as unidades funcionarem.
Secretaria vai apresentar proposta para reduzir rede
O secretário Luiz Roberto Fonseca vai apresentar, amanhã, ao Ministério da Saúde, a proposta de redução do número de hospitais regionais no Rio Grande do Norte. A intenção da Sesap é reduzir de 23 para 16 a quantidade de unidades no interior do Estado. “Não temos capacidade para administrar 23 hospitais. A desorganização é absoluta. Não se pode admitir isso. Queremos a hierarquização da saúde no Estado”, falou o titular da Sesap.
A ideia da Sesap é transformar os hospitais em oito municípios em referência no atendimento em determinadas regiões. Os municípios polos seriam: Pau dos Ferros, Caicó, Assu, Currais Novos, João Câmara, São Paulo do Potengi, São José de Mipibu e Santo Antônio. “Queremos que esses hospitais atuem com efetiva capacidade de resposta voltados à baixa e média complexidade”, disse Luiz Roberto.
Os sete hospitais restantes devem ser municipalizados ou transformados em Unidades de Pronto Atendimento (Upas), por exemplo, cabendo ao município gerenciá-los. “Com essa hierarquização, torna-se possível oferecer à população um atendimento de maior efetividade, evitando, inclusive, o deslocamento desnecessário do usuário”, afirmou o secretário.
No interior, as deficiências estão à vista de qualquer um
Exatamente há dois anos, em abril de 2011, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE percorreu oito, dos dez municípios da Grande Natal e em nenhum deles a assistência a gestantes funciona a contento. As deficiências estão à vista de qualquer um. Dos dez municípios, três (Nísia Floresta, Extremoz e Monte Alegre) não possuiam à época atendimento de obstetrícia.
Da região norte à região sul, os relatos eram mesclados de insegurança, receio e medo. Nem sempre, o município de origem dessas mulheres tem uma resposta satisfatória. Em outros cinco (Ceará-Mirim, São Gonçalo do Amarante, Macaíba e São José de Mipibu) os hospitais são deficitários.
Juntas, essas unidades ofereciam, juntos, 46 leitos de obstetrícia, incluindo os leitos de pré-parto. Mas faltavam profissionais. Alguns funcionavam apenas com um obstetra, no plantão 24 horas, sem retarguarda cirúrgica - pediatra e anestesista, como acontece ainda hoje. Resultado: as mulheres chegavam a esperar horas por um atendimento. Em relato à reportagem da TN, Maria Leonor Januário da Silva, 38 anos, contou que havia perdido seu bebê e atribuiu o óbito à espera de mais de 14 horas – desde que saiu de Ceará Mirim até o momento do parto.
Secretaria quer criar “Câmara de Compensação”
A Sesap pretende encaminhar à Comissão Intergestores Bipartite (CIB) a sugestão para a criação de uma “Câmara de Compensação” entre os municípios para, em caso de invasão dos serviços, o Estado possa realizar a transferência de recursos. A função da câmara seria fiscalizar a correta aplicação do Programa de Pactuação Integrada (PPI). Atualmente, o município de Natal, por exemplo, realiza milhares de atendimentos e não recebe o valor correspondente pelos procedimentos. O prejuízo, somente ano passado, foi de R$ 1.286.731,97. O mesmo problema ocorre em outros municípios.
O que ocorre é que os municípios recebem recursos do Ministério da Saúde (MS) para realizarem um determinado número de procedimentos médicos, entre eles, partos. O município recebe o valor, mas não oferece o serviço. Ao invés de realizar o procedimento, encaminha o paciente para outra cidade. Acontece então, a chamada ambulancioterapia. Fato fácil de ser constatado por qualquer pessoa que passe em frente à MEJC ou Hospital Santa Catarina.
As maternidades municipais de Natal também sofrem com o mesmo problema. O secretário adjunto da secretaria de Saúde de Natal (SMS), Ion Andrade, ressaltou os transtornos causados pelo atendimento precário às parturientes nos municípios do interior. A situação acarreta uma sobrecarga na rede de maternidades de Natal. “A rede de Natal não foi desenhada para absorver toda essa demanda advinda do interior. Os casos que deveriam chegar à capital seriam apenas os de maior gravidade para as gestantes ou bebês”, colocou.
Na lista dos municípios que desobedecem o PPI está Macaíba. Segundo a Sesap, o município pactuou com a Natal, somente ano passado, a realização 350 partos, no entanto, foram 544 procedimentos nas maternidades natalenses. Macaíba deixou de repassar à capital o montante de R$ 230.817,44.
O município de São Gonçalo do Amarante também é destaque na lista dos “inadimplentes” do PPI. Não há pactuação entre o município e a capital, no entanto, segundo a Sesap, o município encaminhou 362 gestantes para Natal. O prejuízo foi de R$ 300.741,30. O secretário de Saúde de São Gonçalo, Jalmir Simões, explicou os números. “Ocorre que, desde montante, 26 eram pacientes de alto risco e deveriam ir para Natal mesmo. Os demais, é demanda espontânea, de pessoas que moram nas fronteiras da cidade”, disse.
Ambulancioterapia
A rotina de municípios que encaminham pacientes para hospitais localizados na capital do Estado já foi noticiada pela TRIBUNA DO NORTE. Na edição do dia 19 de agosto do ano passado, a matéria intitulada “Prescrição: ambulancioterapia”, trazia o relato de pacientes vindos das mais diversas regiões do Rio Grande do Norte para receber tratamento médico no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel.
Medidas planejadas
Confira as ações da Sesap para melhorar o atendimento obstétrico em Natal
- Remanejar profissionais para reabrir o serviço de obstetrícia em quatro Hospitais Regionais: São José de Mipibu, Santo Antônio, São Paulo do Potengi e João Câmara;
- Reforço nas escalas médicas dos hospitais de João Câmara e São José de Mipibu para oferecer a assistência obstétrica;
- Hospital de Canguaretama e Apami de São José de Mipibu deixam de fazer assistência obstétrica;
- Reabertura do Hospital de Macaíba, em julho;
- Criação de consórcios intermunicipais para escolher um município referência no atendimento obstétrico;
- Será encaminhado à Comissão Intergestores Bipartite (CIB) uma sugestão para a criação de uma Câmara de Compensação entre os municípios para, em caso de invasão dos serviços, o Estado possa realizar a transferência de recursos;
- Chamamento público, através do município de Natal, de profissionais de neonatologia para o Hospital da Polícia Militar através de cooperativas dos médicos.
Fonte: tribunadonorte.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário