sábado, 20 de novembro de 2010

LETRAS NO LITORAL


        Fim de semana atípico na praia de Pipa. O mar ganhou um concorrente à altura e agora o público disputa espaço no meio da praça para acompanhar o debate com escritores do peso de Mia couto,  João Ubaldo Ribeiro, Daniel Galera, entre outros. O II Festival Literário da Pipa atraiu um grande número de visitantes às tendas literárias, estandes de livros e oficinas de arte. A programação segue hoje, último dia de festival, com João Gilberto Noll, Marçal Aquino, além de autores locais como Moacy Cirne, Ilza Matias de Souza e Pablo Capistrano.
       Um dos atributos mais comentados dos festivais literários, em crescimento exponencial pelo país, é o clima de discussão que se instala. As pessoas param para discutir literatura, o que por si só é um evento raro no Brasil. No Flipipa 2010 não foi diferente.  No caso de autores como Mia Couto, moçambicano de expressão mundial, faltou lugar pra tantos interessados em ouvi-lo. A fila para autógrafos também foi uma das mais concorridas. Quem esperava uma platéia de predominância acadêmica, público especializado, se frustrou. Havia diversidade. Um  público de interessados em literatura.
       A primeira tenda literária trouxe Daniel Galera e Rafael Coutinho, que recentemente lançaram “cachalote”, uma história em quadrinhos para adultos, em conversa com o jornalista potiguar Alex de Souza. “Cachalote” foi o grande evento para os quadrinhos brasileiros no ano passado, por ter sido lançada por uma grande editora, a companhia das Letras. E também por ser fruto de uma junção de potencial sucesso. Daniel Galera é reconhecidamente uma das melhores revelações literárias do Brasil nos últimos anos e Rafael Coutinho é um desenhista também conceituado, par a além do faro de ser filho do cartunista Laerte. E foi justamente essa relação entre literatura e quadrinhos um dos pontos mais abordados.
       Não é segredo que existe certo preconceito contra quadrinhos como forma de expressão e não é difícil encontrar quem considere o ofício “menor” que outros ditos mais nobres, como a própria literatura. Mas na visão dos dois autores a idéia está equivocada. “Não vejo competição de conteúdo entre quadrinhos e literatura. Acho que as duas formas têm o mesmo potencial de expressão”, disse Galera. Rafael Coutinho complementou: “Um leitor desavisado pode ter dificuldades para compreender a Cachalote numa primeira leitura. Os quadrinhos também pedem trazer conteúdos profundos”.
       Dos quadrinhos para o significado da relação Brasil-África na visão de Mia Couto. O escritor moçambicano teve uma noite pop. Houve fila para conseguiu ligar na sua apresentação. Quem chegou atrasado acabou ficando de fora. A professora portuguesa radicada em Natal, conceição Flores, foi a responsável por conduzir a conversa com Mia couto. Primeiro tratando de similaridades entre a cultura brasileira e africana, principalmente no que diz respeito a relação com os limites e a malandragem. “Vi uma cena engraçada aqui em Pipa que me lembrou Moçambique. Um motorista queria atravessar por uma rua, onde o tráfego estava interrompido e perguntou a alguém que estava por perto. “Dá para passar por aqui?”. Respondeu: “Dá mas não se pode”, comentou.
       A influência da literatura brasileira também foi tema bastante abordado. Mia couto contou que Jorge Amado é um dos autores mais lidos pelos países africanos que falam português, como Moçambique e Angola. “ Há escritores africanos que falam sobre a experiência de ler Jorge Amado como um alumbramento”, disse. E complementou:  ‘Quando li pela primeira vez o Quincas Berro D’água, vi ali a minha terra”. Guimarães Rosa  foi outro autor citado por Mia couto como referência. “João Guimarães Rosa foi o meu mestre. Quando ele fala do sertão, não se trata de algo geográfico, mas um lugar que ele inventou. Em Moçambique, à época que lemos esse livro, a situação era essa. “Estávamos em processo de independência e mais do que isso precisávamos inventar esse lugar”, relembrou.
       Por fim, o jornalista Laurentino Gomes encerrou o primeiro dia de discussão, sob mediação do professor Raimundo Pereira Arraes. “1822”, livro-reportagem, na definição do próprio autor, lançado recentemente foi o tema. Não faltou perguntas sobre a especificidade do trabalho de Laurentino, um jornalista tratando de temas caros à Academia na área de História do Brasil. A discussão segue Laurentino Gomes onde ele passa.

                                              Por Isaac Lira
                                              Repórter                              Tribuna do Norte, 20 de novembro de 2010
                                              

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