Montagem: Mídia Ninja
Um império não se derruba com um tiro só, ele vai sendo abalado aos poucos, vai sendo desconstruído, questionado e denunciado.
Por Renata Mielli*
Um império não acaba repentinamente. Vai perdendo o seu poder e sua credibilidade lentamente: É o caso das organizações Globo, o império midiático erguido durante a ditadura militar e que passa pelo pior momento de sua história.
O mais recente episódio envolvendo a emissora aconteceu nesta terça-feira, 14 de novembro, quando uma das testemunhas de acusação chamadas a depor no julgamento sobre o escândalo envolvendo a Fifa (e o pagamento de propinas e o direito de transmissão de jogos) citou a TV Globo como um dos grupos de mídia participantes do esquema.
O denunciante, Alejandro Buzarco, foi executivo da Torneos y Competencias SA, uma empresa de marketing esportivo argentina. Além de ter citado a Rede Globo, ele apontou como participantes do esquema com a Fifa a empresa esportiva brasileira Traffic, de J. Hawilla, a mexicana Televisa, a Fox, a Full Play da argentina e a Media Pro da Espanha.
A Globo está sendo acusada de pagar R$ 15 milhões de dólares (cerca de 50 milhões de reais) para conseguir o direito de transmissão das Copas de 2026 e 2030.
O valor teria sido pago ao dirigente esportivo Julio Grondona.
Todo esse processo começou em 2010, quando a BBC divulgou denúncias de corrupção envolvendo empresas de marketing esportivo e três dirigentes do Comitê Executivo da Fifa: Ricardo Teixeira, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Nicolas Leoz, presidente da Conmebol e Issa Hayatou. Naquele momento, a denúncia envolvia revenda de ingressos em várias edições da Copa do Mundo. Logo depois, em 2011, outra denúncia, desta vez do ex-presidente da Federação Inglesa de Futebol, apontou que houve tentativa de suborno de Leoz e Teixeira em troca de votar na Inglaterra para sede da Copa de 2018.
Em 2012, a Fifa divulgou que a ISL pagou suborno a João Havelange, ex-presidente da FIFA, da CBD, e para seu genro Ricardo Teixeira, entre 1992 e 1997. Aí já se entrava na seara dos direitos de transmissão dos eventos. Três anos depois, o FBI prendeu 7 dirigentes da Fifa sob acusação de organização mafiosa, fraude maciça e lavagem de dinheiro. Entre eles, o presidente da CBF, José Maria Marin.
De lá para cá as investigações prosseguem nos Estados Unidos, mas no Brasil o caso seguiu abafado e estacionado até esta segunda-feira, 13, com cara de sexta-feira 13 para os Marinho.
A denúncia ganhou uma grande repercussão internacional e nacional, e não pôde ser ignorada pelo império dos Marinho. E o que parecia impossível foi ao ar no Jornal Nacional dos dias 14 e 15 de novembro de 2017: William Bonner foi obrigado a noticiar uma denúncia contra a Rede Globo. A “reportagem”, divulgada no JN, é desdobramento de uma decisão da direção da empresa de não ignorar o assunto como em outros episódios. O G1 e O Globo também já tinham divulgado a notícia.
A divulgação veio junto com uma nota explicativa, reafirmando o compromisso da Globo com a luta contra a corrupção.
A Globo não é mais a mesma. Vários fatores fazem com que o maior conglomerado de mídia do Brasil veja seu poder escorrer por entre os dados.
Isso não significa que ela não continue poderosa. Ela continua interferindo nos rumos do país, impondo padrões e fazendo política explorando um bem público – que são suas concessões de rádio e televisão – para defender os interesses de uma elite econômica venal.
O que mudou?
Dentre muitos elementos que contribuem para abalar o reinado dos Marinho, vou me deter em três particularmente:
1. A polarização política dos últimos anos fez com que a Rede Globo e seus outros veículos tirassem o véu que lhes dava alguma imagem de imparcialidade e neutralidade.
A Globo entrou de cabeça na disputa política e se colocou como oposição aos governos Lula e Dilma e às políticas de distribuição de renda, de promoção de igualdade, de desenvolvimento nacional, de inserção soberana do Brasil no cenário internacional. A Globo militou contra os BRIC’s, contra as cotas raciais nas universidades, contra o Bolsa Família, contra o Mais Médicos, contra o Sistema Único de Saúde, contra as conferências de participação social, contra a política de conteúdo nacional para a cadeia de Petróleo e Gás, entre outros.
A Globo foi a voz pública em defesa do Golpe revestido de impeachment, convocou passeatas e organizou baterias de panelas, criminalizou a esquerda e deu ampla vazão ao discurso de ódio na sociedade.
O argumento que eles utilizaram para justificar suas posições era o do combate à corrupção. A Globo passou a ser, em estreita aliança com o Ministério Público Federal e com a Operação Lava Jato, o principal arauto em defesa da moral, da luta contra os corruptos e da desconstrução do Estado.
Essa postura continha, e ainda contém, um grau importante de risco: a exposição do seu eu verdadeiro. A Globo se mostrou de forma mais explícita e isso fez com que parte da sociedade percebesse que muito do que a Globo faz e fala não tem nada de apuração, ou tratamento de fatos: é opinião, é campanha, é militância política.
Isso fica muito explícito se visto algumas posições recentes da empresa: o misancéne da inauguração do novo cenário do Jornal Nacional, a campanha institucional lançada há 3 semanas, o afastamento de Willian Waack e, agora, a veiculação das notícias de denúncias envolvendo a Globo.
A Globo denunciando a Globo. Em menos de uma semana a Globo teve que lançar duas notas para dar explicações à sociedade brasileira.
2. A Globo passa por graves dificuldades financeiras… e não é de hoje.
A empresa não conseguiu fazer uma boa transição do seu modelo de negócios em face do desenvolvimento das novas tecnologias de informação, e perdeu espaço para novos players de mercado. Mesmo que ainda abocanhe a maior parte das verbas publicitárias do governo e parte significativa do mercado, a migração de publicidade para outros veículos impacta na empresa. Um dos blogs que tem divulgado há anos essas dificuldades é O Cafezinho.
Em 2013 a Globo precisou pagar uma dívida com credores norte-americanos. Para isso, fez a emissão de bonds no valor de 825 milhões de dólares, contra os quais precisou pagar juros anualmente ou semestralmente. Os bancos responsáveis pela conversão da dívida da empresa em bonds foram o Santander, o Itaú e o Bank of America.
No balanço da Globo para 2016, um número que chama a atenção é a redução do ativo em caixa, de R$ 3 bilhões para R$ 990 milhões.
Também a disputa por direitos de transmissão de eventos esportivos estão no centro dessa crise. A “concorrência” com outras emissoras de tevê, a entrada de novos atores como o Esporte Interativo ou gigantes da internet transmitindo jogos ao vivo. A Globo perde espaço, receita e publicidade.
3. A ampliação do papel da mídia alternativa, comunitária, popular, independente; que amplifica notícias que eram historicamente invisibilizadas, mas que agora não podem mais ser ignoradas, e acabam pautando os meios hegemônicos.
É cedo para dizer quais serão os desdobramentos dessa crise envolvendo a Globo. Seria muito precipitado dizer que trata-se de um tiro de misericórdia no império midiático. Mas é sem dúvida um abalo importante na sua imagem, que pode provocar rachaduras estruturais no seu monopólio.
Vamos acompanhar as cenas dos próximos capítulos.
Fonte: http://www.vermelho.org.br
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