Guilherme Boulos é integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e filósofo. No dia 17 de janeiro de 2017 Boulos foi preso, acusado de cometer desobediência judicial, incitação à violência e por ter lançado rojões contra a Polícia Militar durante a ação de reintegração de posse de um terreno, em São Mateus, São Paulo.
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A escalada da criminalização aos movimentos populares e a luta por moradia no Brasil são os principais temas da entrevista concedida ao Brasil de Fato Pernambuco. Boulos também fala da expectativa em relação à greve geral do dia 28 de abril: "nós vamos construir a maior mobilização social do último período no país".
Brasil de Fato - Como você analisa a escalada da criminalização aos movimentos populares que estamos vivendo?
Guilherme Boulos - Nós vivemos um processo brutal de aumento da criminalização. Evidentemente que a criminalização não é um fato recente. Nós dos movimentos sociais sabemos que ela vem de muito tempo e no próprio governo da Dilma tivemos a "Lei Antiterrorismo" sendo editada, mas depois do golpe isso se agravou. A torto e a direito, como fizeram com o Valdir lá de Goiás [Valdir Misnerovicz, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST], usa-se a Lei de Organização Criminosa para atacar movimentos sociais, para efetuar prisões arbitrárias, processos com o objetivo claro de intimidar.
A criminalização encontra sua preparação em um outro processo - que eu acho que é igualmente grave - que é a tentativa de desmoralizar o movimento social. Eles construíram um discurso nos últimos anos de que movimento social quer privilégio ou favor, tentando descaracterizar o caráter histórico de luta por direitos. Os movimentos sociais são responsáveis pela luta pela democracia, pelo fim da ditadura militar no país e pela conquista da maioria dos direitos sociais que nós temos. Mas vendem o peixe de que movimento social quer "boquinha", quer dinheiro público para se esbaldar. Quando você faz isso de maneira repetida você vai desmoralizando e aí depois que você desmoralizou fica mais fácil. Você fica dizendo esse cara é ladrão, não presta, depois você lincha ele em praça pública e vai ter aplausos, você prende, você mata e não vão ter grandes reações. Esse é o processo perverso que nós temos vivido.
Entrando no tema da Luta por moradia, qual o tamanho do déficit habitacional hoje no Brasil?
Hoje o déficit habitacional no Brasil é de seis milhões de famílias. Isso corresponde a mais de 20 milhões de pessoas que não tem onde morar. A situação geral dessas pessoas, medida pelo próprio IBGE, são famílias que tem ônus excessivo de aluguel, que comprometem mais de terço da renda familiar para pagar aluguel, o que eles chamam de co-habitação como a moradia de favor, mais de uma família na mesma casa e também moradia em situação de risco.
Mas além desse déficit, que tecnicamente é chamado de déficit quantitativo, há um número ainda maior que é o que eles chamam de déficit qualitativo, que são famílias que tem uma casa, mas não tem acesso aos serviços básicos. O déficit qualitativo no Brasil está chegando a mais de 15 milhões de famílias. Isso corresponde a mais de 50 milhões de pessoas. Então um terço da população brasileira hoje é atingida direta ou indiretamente pelo problema da moradia.
Com o cenário de crise social e política no Brasil, isso tem se refletido nas ocupações? O número de famílias tem aumentado?
Aumentou muito a procura por ocupações. A crise é social e um dos componentes principais dela é o desemprego, outro é a redução da renda dos trabalhadores. A maioria das categorias tiveram dissídio salarial ano passado abaixo da inflação, isso gera uma perda salarial real e faz com que as pessoas não consigam mais pagar aluguel. Boa parte dos pobres das periferias urbanas pagam aluguel, não têm casa própria. Se ficar desempregado não tem mais como pagar aluguel, Se alguém da família perde o emprego, o salário rebaixa, o aluguel sobe.
Isso tem gerado uma pressão profunda no orçamento familiar dos trabalhadores mais pobres no Brasil e isso tem gerado uma procura maior pelos movimentos e seguramente vai gerar um aumento das ocupações urbanas no próximo período, ainda mais quando a gente considera que junto com a crise vem o processo de austeridade e ajuste fiscal e o corte das políticas públicas que praticamente quebra os programas como o Minha Casa, Minha Vida em sua faixa 1, que de algum modo gerava uma expectativa que o problema da moradia fosse resolvido com essas políticas públicas. A faixa 1 foi seca pelo governo Temer. Só agora, depois de muitas mobilizações, nós vamos ter construções da faixa 1 esse ano, mas há uma ofensiva também de desmontar o programa Minha Casa, Minha Vida.
Como foi a experiência recente do MTST na ocupação da Avenida Paulista?
Nós ficamos 22 dias acampados na Paulista e o motivo foi marcar um ano do governo ilegítimo do Temer e nenhuma casa no Brasil inteiro contratada na faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida. A faixa 1 é aquela que atende famílias que ganham até R$ 1.800 por mês. Isso dá mais de 80% do déficit habitacional brasileiro. São aquelas pessoas que não têm como ir num banco e pegar crédito imobiliário, nem passam na porta giratória do banco.
Ao mesmo em que secaram a faixa um, eles fortaleceram a faixa 2 e as faixa 3, que são as faixas de crédito, voltadas para a classe média. Aumentaram o limite de financiamento tanto da renda como do valor dos imóveis. Aumentaram para 1 milhão e meio o teto de valor do imóvel, ou seja, uma casa de um milhão e meio não é uma casa de quem precisa de programa social. Além disso aumentaram a faixa de renda de R$ 5 mil para R$9 mil. Houve uma tentativa de transformar o Minha Casa, Minha Vida num BNH [antigo Banco Nacional de Habitação]. O Acampamento da Avenida Paulista ocorreu por isso. Nós resistimos em frente ao escritório da Presidência durante 22 dias, no maior centro financeiro do país, com muita organização. Mais de 300 pessoas permanentemente lá, fazendo assembleias com mais de 10 mil pessoas. E após esse processo de resistência conseguimos uma vitória que foi o compromisso do Ministério das Cidades em retomar as contratações da faixa um.
Qual o tamanho do MTST no Brasil? Quantas famílias vocês organizam?
O MTST está presente em 12 estados do país e organiza hoje entre 45 e 50 mil famílias nesses 12 estados.
Qual a sua expectativa para a Greve Geral indicada para o próximo dia 28?
Eu acho que dia 28 nós vamos construir a maior mobilização social do último período no país, uma Greve Geral potente. Dia 15 (de março) já foi muito potente no que se refere as paralisações. E dia 28 tende a ser ainda mais. É um sinal de que o jogo está virando. O caldo social em relação ao governo Temer, em relação às reformas, está mudando e a reação é crescente na sociedade brasileira. No dia 15 nós conseguimos trazer para as ruas setores que não estavam nas ruas. No dia 15 não eram só os setores organizados, a militância. Você teve uma parte da classe trabalhadora, que no período anterior acompanhou à distância e que começou a entrar em campo. E acho que dia 28 isso se consolida. Nós vamos ter uma grande Greve Geral no país.
Fonte: Brasil de Fato Pernambuco
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