O presidente interino Michel Temer anda tenso às vésperas de uma decisão final do Senado sobre o impeachment. Desconfia que pode ter sido gravado pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu por corrupção na Justiça e à beira da cassação na Câmara
Desconfiança entre aliados
A suspeita de Temer surgiu em um encontro recente com Cunha no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência. O réu teria encaminhado a conversa de modo estranho, ao “lembrar” o interino de certas parcerias deles no passado. Histórias pouco republicanas, presumivelmente.
Ao sentir que poderia cair numa arapuca, o presidente em exercício teria reagido aos gritos com Cunha, no relato de uma pessoa ligada a Temer. Teria o deputado afastado gravado o interino em alguma outra oportunidade?
As ligações entre os dois peemedebistas são antigas, razão para Temer de fato se preocupar.
O presidenciável Ciro Gomes (PDT) diz e repete que quando foi deputado na mesma legislatura que os peemedebistas, de 2007 a 2010, a dupla atuava em conjunto. Cunha comercializaria leis sob os auspícios de Temer, presidente da Casa de 2009 a 2010.
A parceria, ao que parece, continuou mesmo depois de Temer deixar a Câmara e tornar-se vice-presidente da República, em 2011. Aconteceu, por exemplo, na atual Lei de Portos. Seria esta uma das “lembranças” colocadas à mesa por Cunha diante de Temer?
No segundo semestre de 2013, houve uma reunião entre Cunha, Temer e um empresário do grupo Libra, terminal portuário até hoje com pendências financeiras perante órgãos públicos e doador de recursos eleitorais para o interino. Foi no Jaburu e serviu para discutir a situação da empresa. Temer parecia empenhado em ajudar.
As condições para a ajuda haviam sido criadas pelo próprio Cunha, durante a votação da Lei de Portos na Câmara no primeiro semestre de 2013. Ele impediu o avanço do projeto até o governo Dilma Rousseff aceitar uma mudança no texto que favoreceria Libra.
A versão original da lei, proposta por medida provisória, proibia a renovação de contratos de arrendamento por terminais inadimplentes com o poder público. Era o caso de Libra, que há anos tenta na Justiça rever seu contrato com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), um feudo político de Temer. Uma dívida bilionária, em valores atuais.
Graças a Cunha, a Câmara inseriu na Lei um dispositivo que retirava o veto à renovação de contratos por inadimplentes. Mais: incluiu a possibilidade de litígios contratuais serem resolvidos em comissão de arbitragem, ou seja, longe dos tribunais, com membros indicados pelas partes.
Para a salvação de Libra de consumar, no entanto, eram necessárias ações no âmbito do governo federal. Elas saíram do papel no segundo mandato de Dilma, quando o controle da Secretaria Especial de Portos fficou com Temer, por meio de um apadrinhado dele, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), empossado ministro em janeiro de 2015.
Detalhe: na eleição de 2014, dois sócios de Libra, os irmãos Rodrigo Borges Torrealba e Ana Carolina Borges Torrealba, doaram um milhão de reais para Temer, dinheiro recebido pelo peemedebista em uma empresa aberta por ele para gerenciar recursos que repassaria a candidatos amigos.
Em outubro de 2014, bem no meio meio da eleição, o grupo Libra pediu à Codesp e à Secretaria de Portos a criação de uma comissão de arbitragem para discutir o litígio bilionário.
A comissão foi criada em setembro de 2015. No mesmo mês, o então ministro Edinho Araújo autorizou a renovação do contrato de Libra no Porto de Santos. Deixou o cargo dias depois.
Em março deste ano, a Codesp selecionou, sem licitação, o escritório Nelson Wilians & Advogados Associados para coordenar a arbitragem. Um escritório que teria ligações com o PMDB, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
Wilians já teria participado de jantares com Temer no Jaburu. E manteria algum tipo de parceria no Rio Grande do Sul com o filho do ministro-chefe de Casa Civil de Temer, Eliseu Padilha.
Se a comissão de arbitragem cancelar algum montante da dívida de Libra com a Codesp, o investimento de um milhão de reais em Temer por parte dos irmãos Torrealba na eleição de 2014 terá compensado.
Por André Barrocal para Carta Capital
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