1. Tortura e ausência de direitos humanos
As torturas e assassinatos foram a marca mais violenta do período da
ditadura. Pensar em direitos humanos era apenas um sonho. Havia até um
manual de como os militares deveriam torturar para extrair confissões,
com práticas como choques, afogamentos e sufocamentos.
Os direitos humanos não prosperavam, já que tudo ocorria nos porões das unidades do Exército.
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O
jornalista Vladimir Herzog é um dos símbolos da violência do Estado no
período ditatorial. Na noite de 24 de outubro de 1975, o jornalista se
apresentou à sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações -
Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo, para prestar
esclarecimentos sobre suas ligações com o PCB (Partido Comunista
Brasileiro). No dia seguinte, foi morto aos 38 anos Leia mais Instituto Vladimir Herzog
"As restrições às liberdades e à participação política reduziram a
capacidade cidadã de atuar na esfera pública e empobreceram a circulação
de ideias no país", diz o diretor-executivo da Anistia Internacional
Brasil, Atila Roque.
Sem os direitos humanos, as torturas
contra os opositores ao regime prosperaram. Até hoje a Comissão Nacional
de Verdade busca dados e números exatos de vítimas do regime.
"Os agentes da ditadura perpetraram crimes contra a humanidade
--tortura, estupro, assassinato, desaparecimento-- que vitimaram
opositores do regime e implantaram um clima de terror que marcou
profundamente a geração que viveu o período mais duro do regime
militar", afirma.
Para Roque, o Brasil ainda
convive com um legado de "violência e impunidade" deixado pela
militarização. "Isso persiste em algumas esferas do Estado, muito
especialmente nos campos da justiça e da segurança pública, onde tortura
e execuções ainda fazem parte dos problemas graves que enfrentamos",
complementa.
2. Censura e ataque à imprensa
Uma das marcas mais conhecidas da ditadura foi a censura. Ela atingiu a
produção artística e controlou com pulso firme a imprensa.
Os militares criaram o "Conselho Superior de Censura", que fiscalizava e
enviava ao Tribunal da Censura os jornalistas e meios de comunicação
que burlassem as regras. Os que não seguissem as regras e ousassem fazer
críticas ao país, sofriam retaliação --cunhou-se até o slogan "Brasil,
ame-o ou deixe-o."
Não são raras histórias de
jornalistas que viveram problemas no período. "Numa visita do
presidente (Ernesto) Geisel a Alagoas, achamos de colocar as manchetes
no jornalismo da TV: 'Geisel chega a Maceió; Ratos invadem a Pajuçara'.
Telefonaram da polícia para o Pedro Collor [então diretor do grupo] e
ele nos chamou na sala dele e tivemos que engolir o afastamento do
jornalista Joaquim Alves, que havia feito a matéria dos ratos", conta o
jornalista Iremar Marinho, citando que as redações eram visitadas quase
que diariamente por policiais federais.
Para
cercear o direito dos jornalistas, foi criada, em 1967, a Lei de
Imprensa. Ela previa multas pesadas e até fechamento de veículos e
prisão para os profissionais. A lei só foi revogada pelo STF (Supremo
Tribunal Federal) em 2009.
Muitos jornalistas
sofreram processos com base na lei mesmo após a redemocratização. "Fui
processado em 1999 porque publiquei declaração de Fulano contra
Beltrano. A Lei de Imprensa da Ditadura permitia isso: punir o
mensageiro, que é o jornalista", conta o jornalista e blogueiro do UOL,
Mário Magalhães.
3. Amazônia e índios sob risco
No governo militar, teve início um processo amplo de devastação da
Amazônia. O general Castelo Branco disse, certa vez, que era preciso
"integrar para não entregar" a Amazônia. A partir dali, começou o
desmatamento e muitos dos que se opuseram morreram.
"Ribeirinhos, índios e quilombolas foram duramente reprimidos tanto ou
mais que os moradores das grandes cidades", diz a jornalista paraense e
pesquisadora do tema, Helena Palmquist.
A
ideia dos militares era que Amazônia era "terra sem homens", e deveria
ser ocupada por "homens sem terra do Nordeste." Obras como as usinas
hidrelétricas de Tucuruí e Balbina também não tiveram impactos
ambientais ou sociais previamente analisados, nem houve compensação aos
moradores que deixaram as áreas alagadas. Até hoje, milhares que saíram
para dar lugar às usinas não foram indenizados.
A luta pela terra foi sangrenta. "Os Panarás, conhecidos como índios
gigantes, perderam dois terços de sua população com a construção da
BR-163 --que liga Cuiabá a Santarém (PA). Dois mil Waimiri-Atroaris, do
Amazonas, foram assassinados e desaparecidos pelo regime militar para as
obras da BR-174. Nove aldeias desse povo desapareceram e há relatos de
que pelo menos uma foi bombardeada com gás letal por homens do
Exército", afirma.
4. Baixa representação política e sindical
Um dos primeiros direitos outorgados aos militares na ditadura foi a
possibilidade do governo suspender os direitos políticos do cidadão. Em
outubro de 1965, o Ato Institucional número 2 acabou com o
multipartidarismo e autorizou a existência de apenas dois: a Arena, dos
governistas, e o MDB, da oposição.
O problema é
que existiam diversas siglas, que tiveram de ser aglutinadas em um
único bloco, o que fragilizou a oposição. "Foi uma camisa-de-força que
inibiu, proibiu e dificultou a expressão político-partidária. A oposição
ficou muito mal acomodada, e as forças tiveram que conviver com grandes
contradições", diz o cientista político da Universidade Federal de
Pernambuco, Michael Zaidan.
As representações
sindicais também foram duramente atingidas por serem controladas com
pulso forte pelo Ministério do Trabalho. Isso gerou um enfraquecimento
dos sindicatos, especialmente na primeira metade do período de
repressão.
"Existiam as leis trabalhistas,
mas para que elas sejam cumpridas, com os reajustes, é absolutamente
necessário que os sindicatos judicializem, intervenham para que os
patrões respeitem. Essas liberdades foram reprimidas à época. Os
sindicatos eram compostos mais por agentes do governo que
trabalhadores", lembra Zaidan.
5. Saúde pública fragilizada
Se a saúde pública hoje está longe do ideal, ela ainda era mais
restrita no regime militar. O Inamps (Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social) era responsável pelo atendimento, com seus
hospitais, mas era exclusivo aos trabalhadores formais.
"A imensa maioria da população não tinha acesso", conta o cardiologista
e sindicalista Mário Fernando Lins, que atuou na época da ditadura.
Surgiu então a prestação de serviço pago, com hospitais e clínicas
privadas.
"Somente após 1988 é que foi adotado
o SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende a uma parcela de 80% da
população", diz Lins.
Em 1976, quase 98% das
internações eram feitas em hospitais privados. Além disso, o modelo
hospitalar adotado fez com a que a assistência primária fosse relegada a
um segundo plano. Não existiam planos de saúde, e o saneamento básico
chegava a poucas localidades. "As doenças infectocontagiosas, como
tuberculose, eram fonte de constante preocupação dos médicos", afirma
Lins.
Segundo estudo do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas), "entre 1965/1970 reduz-se
significativamente a velocidade da queda [da mortalidade infantil],
refletindo, por certo, a crise social econômica vivenciada pelo país".
6. Linha dura na educação
A educação brasileira passou por mudanças intensas na ditadura. "O
grande problema foi o controle sobre informações e ideologia, com o
engessamento do currículo e da pressão sobre o cotidiano da sala de
aula", sintetiza o historiador e professor da Universidade Federal de
Alagoas, Luiz Sávio Almeida.
As disciplinas
de filosofia e sociologia foram substituídas pela de OSPB (Organização
Social e Política Brasileira, carascterizada pela transmissão da
ideologia do regime autoritário, exaltando o nacionalismo e o civismo
dos alunos e, segundo especialistas, privilegiando o ensino de
informações factuais em detrimento da reflexão e da análise) e Educação,
Moral e Cívica. Ao mesmo tempo, com o baixo índice de investimento na
escola pública, as unidades privadas prosperaram.
Na área de alfabetização, a grande aposta era o Mobral (Movimento
Brasileiro para Alfabetização), uma resposta do regime militar ao método
elaborado pelo educador Paulo Freire, que ajudou a erradicar o
analfabetismo no mundo na mesma época em que foi considerado
"subversivo" pelo governo e exilado. Segundo o estudo "Mapa do
Analfabetismo no Brasil", do Inep (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais), do Ministério da Educação, o Mobral foi um
"retumbante fracasso."
Os problemas também
chegaram às universidades, com o afastamento delas dos centros urbanos e
a introdução do sistema de crédito. "A intenção do regime era evitar
aglomeração perto do centro, enquanto o sistema de crédito foi criado
para dispersar os alunos e não criar grupos", diz o historiador e
vice-reitor do Fejal (Fundação Educacional Jayme de Altavila), Douglas
Apratto.
7. Corrupção e falta de transparência
No período da ditadura, era praticamente impossível imaginar a
sociedade civil organizada atuando para controlar gastos ou denunciando
corrupção. Não havia conselhos fiscalizatórios e, com a dissolução do
Congresso Nacional, as contas públicas não eram analisadas, nem havia
publicidade dos gastos públicos, como é hoje obrigatório.
"O maior antídoto da corrupção é a transparência. Durante a ditadura,
tivemos o oposto disso. Os desvios foram muitos, mas acobertados pela
força das baionetas", afirma o juiz e um dos autores da Lei da Ficha
Limpa, Márlon Reis.
Reis afirma que, ao
contrário dos anos de chumbo, hoje existem órgãos fiscalizatórios,
imprensa e oposição livres e maior publicidade dos casos. "Estamos muito
melhor agora, pois podemos reagir", diz.
Outro ponto sempre questionado no período de ditadura foram os recursos
investidos em obras de grande porte, cujos gastos eram mantidos em
sigilo.
"Obras faraônicas como Itaipu,
Transamazônica e Ferrovia do Aço, por exemplo, foram realizadas sem
qualquer possibilidade de controle. Nunca saberemos o montante
desviado", disse Reis. "Durante a ditadura, a corrupção não foi uma
política de governo, mas de Estado, uma vez que seu principal escopo foi
a defesa de interesses econômicos de grupos particulares."
8. Nordeste mais pobre e migração
A consolidação do Nordeste como região mais pobre do país teve grande
participação do governo do militares. "Nenhuma região mudou tanto a
economia como o Nordeste", diz o doutor em economia regional Cícero
Péricles Carvalho, professor da Universidade Federal de Alagoas.
Com as políticas adotadas, a região teve um crescimento da pobreza.
"Terminada a ditadura, o Nordeste mantinha os piores indicadores
nacionais de índices de esperança de vida ao nascer, mortalidade
infantil e alfabetização. Entre 1970 e 1990, o número de pobres no
Nordeste aumentou de 19,4 milhões para 23,7 milhões, e sua participação
no total de pobres do país subiu de 43% para 53%", afirma Péricles
O crescimento urbano registrado teve como efeito colateral a migração
desregulada. "O modelo urbano-industrial reduziu as atividades
agropecuárias, que eram determinantes na riqueza regional, com 41% do
PIB, para apenas 14% do total em 1990", diz Péricles.
Enquanto o campo era relegado, as atividades urbanas saltaram, na área
industrial, de 12% para 28% e, na área do comércio e serviços, de 47%
para 58%.
"A migração gerou mais pobreza nas
cidades, sem diminuir a miséria no campo. A população do campo
reduziu-se a um terço entre 1960 e 1990", acrescenta Péricles.
9. Desigualdade: bolo cresceu, mas não foi dividido
"É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo". A frase do
então ministro da Fazenda Delfim Netto é, até hoje, uma das mais
lembradas do regime militar. Mas o tempo mostrou que o bolo cresceu,
sim, ficou conhecido como "milagre brasileiro", mas poucos comeram
fatias dele.
A distribuição de renda entre os
estratos sociais ficou mais polarizada durante o regime: os 10% dos mais
ricos que tinham 38% da renda em 1960 e chegaram a 51% da renda em
1980. Já os mais pobres, que tinham 17% da renda nacional em 1960,
decaíram para 12% duas décadas depois.
Assim,
na ditadura houve um aumento das desigualdades sociais. "Isso levou o
país ao topo desse ranking mundial", diz o professor de Economia da
Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles.
Entre 1968 e 1973, o Brasil cresceu acima de 10% ao ano. Mas, em
contrapartida, o salário mínimo --que vinha recuperando o poder de
compra nos anos 1960-- perdeu com o golpe. "Em 1974, em pleno 'milagre',
o poder de compra dele representava a metade do que era em 1960",
acrescenta Péricles.
"As altas taxas de
crescimento significavam mais oportunidades de lucros altos, renda e
crédito para consumo de bens duráveis; para os mais pobres, assalariados
ou informais, restava a manutenção de sua pobreza anterior", explica o
economista.
10. Precarização do trabalho
Apesar de viver o "milagre brasileiro", a ditadura trouxe defasagem aos
salários dos trabalhadores. "Nossa última ditadura cívico-militar foi,
em certo ponto, economicamente exitosa porque permitiu a asfixia ao
trabalho e, por consequência, a taxa salarial média", diz o doutor em
ciências sociais e blogueiro do UOL, Leonardo Sakamoto.
Na época da ditadura, a lei de greve, criada em 1964, sujeitava as
paralisações de trabalhadores à intervenção do Poder Executivo e do
Ministério Público. "Ir à Justiça do Trabalho para reclamar direitos era
possível, mas pouco usual e os pedidos eram minguados", explica
Sakamoto.
"Nada é tão atrativo ao capital do
que a possibilidade de exercício de um poder monolítico, sem
questionamentos", diz Sakamoto, que cita a asfixia dos sindicatos, a
falta de liberdade de imprensa e política foram "tão atraentes a
investidores que isso transformou a ditadura brasileira e o atual regime
político e econômico chinês em registros históricos de como crescimento
econômico acelerado e a violência institucional podem caminhar lado a
lado".
Leia mais em: http://zip.net/bcmRt2Fonte: noticias.bol.uol.com.br
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