O Brasil foi definido como anfitrião da Copa de 2014 em outubro de 2007, e desde maio de 2009 já se sabia quais seriam as doze cidades-sede da competição mundial de futebol. De lá para cá muita água rolou, pouco foi feito em termos de infraestrutura urbana – nada de projetos de mobilidade urbana, entre outras promessas – e os recentes protestos que tomaram as ruas deram uma sacudida nos brios do país do futebol. O planejamento e os debates em torno do evento não consideraram, em nenhum momento, o lado cultural da coisa e o jeito para “salvar a pátria” no âmbito artístico será voltar o foco para a promoção das manifestações e atividades que já existem e estão em curso.
A grandiosa favela feita de tijolos é uma das três mil obras em exposição no recém-inaugurado museu público de Arte do Rio
“A Copa é uma oportunidade perdida”, sentenciou Sérgio Sá Leitão, secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, durante sua fala no painel “Cidades sedes e cultura para todos”, momento que abriu a programação do segundo e último dia do encontro internacional “Cultura na Rede” ocorrido no Rio de Janeiro. “É inacreditável o Ministério da Cultura ainda não ter uma política clara para inserir a área cultural nesse contexto, e o que podemos fazer para tentar salvar a pátria é investir no aspecto promocional do que já existe”, destacou. Leitão ressaltou que o legado cultural não foi discutido e tudo “irá se restringir aos estádios”.
Para ele o MinC poderia, “ao menos”, levantar a bandeira de estruturar os equipamentos culturais. “Não dá mais tempo para fazer nada e nosso trabalho está de olho nas Olimpíadas de 2016”, informou.
Sérgio Sá Leitão reforça o discurso de Marcelo Araújo, secretário Estadual de Cultura de São Paulo: “As estratégias em curso não levantam questões de legado cultural nem priorizam ações estruturantes, estão limitadas aos eventos”, lamentou. Araújo disse estar preocupado com a perspectiva do Governo Federal enfatizar apenas atividades momentâneas. “Serão geradas reflexões amplificadas para o pós-Copa?”, deixa o questionamento para a plateia formada por artistas, produtores e gestores de todo o Brasil, mais convidados de outros quatro países (Espanha, Inglaterra, África do Sul e França) que já sediaram grandes eventos esportivos.
Yuno SilvaO encontro “Cultura na Rede”, promovido pelo Itaú Cultural em parceria com a Fundação Roberto Marinho, reuniu durante dois dias cerca de 160 pessoas no auditório do Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) – grupo que acompanhou palestras, participou de debates e elencou possibilidades de minimizar a situação (falta de legado cultural) em grupos de trabalho. Entre os objetivos extraoficiais do evento, figura a formalização de parcerias costuradas por representantes das 80 instituições culturais presentes.
Museu escola
Instalado na Praça Mauá, zona portuária da capital carioca, em dois prédios de perfis heterogêneos e interligados, o Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) conta através de obras de arte, documentos e exposições contemporâneas a história da cidade maravilhosa. As salas de exposição ocupam o Palacete Dom João VI, construído em 1916, enquanto o edifício vizinho, de estilo modernista, abriga a Escola do Olhar, ambiente cujo foco principal está na formação de educadores da rede pública de ensino. Por se tratar de um museu escola, é comum o trânsito pelos corredores de delegações numerosas formadas por estudantes de todas as idades.
Museu de Arte do Rio-Mar foi sede do encontro internacional
“Nossa ideia é trazer 200 mil crianças por ano ao museu”, disse Paulo Herkenhoff, crítico de arte, curador e atual diretor cultural do MAR. Paulo conduziu a visita guiada programada para mostrar o lugar aos participantes do encontro “Cultura na Rede”.
Nada no museu é aleatório, cada pavimento traz um período histórico do Rio. “Curadoria é uma coisa dinâmica, que trabalha com bens simbólicos, e as obras expostas mudam constantemente”. Herkenhoff chama atenção para preocupação com a acessibilidade e mostra uma ala fechada do museu que aguarda serviços de adaptação para receber pessoas com deficiências. “Se não pode receber qualquer pessoa, mantemos fechada”. Entre os planos está a criação de uma área projetada para receber deficientes visuais, onde os visitantes serão guiados por cegos treinados pelo MAR.
Soluções para salvar a pátria: visibilidade
O painel “Cidades sedes e cultura para todos”, do qual Sá Leitão participou, ainda contou com participação de Alexandre Lage, representando o AfroReggae; Julio Ludemir, que apresentou o conceito do Flupp, festival literário desenvolvido junto a favelas pacificadas (UPPs); Tião Soares, do Grupo de Trabalho de Cultura da Rede Nossa São Paulo; Sara Hallat, da ONG Bag Factory, que falou sobre a Copa de 2010 na África do Sul; e Edson Silva, da Casa da Ribeira (RN). “Como o Ministério da Cultura não deu nenhum direcionamento, ninguém sabe direito o que fazer”, disse Edson após o painel. Ele aproveitou o espaço para mostrar breve histórico da Casa da Ribeira e enfatizar o projeto ArtePraia.
“Como bem disse o Sérgio (Sá Leitão), temos que ‘salvar a pátria’ com um plano para promover as ações que estão em plena atividade”. Para o potiguar, será muito difícil conseguir viabilizar qualquer novo projeto até 2014: “Se já é difícil conseguir patrocínio privado que dirá público com toda a burocracia envolvida”, pontua. Apesar do pouco tempo que teve para expor o ArtePraia, colheu bons frutos ao ser procurado pelos participantes para futuras parcerias. “A aderência com relação a esse projeto foi incrível”, comemorou, citando o interesse do secretário Estadual de Cultura de SP, Marcelo Araújo, que ao ver que a Casa está com escritório montado em São Paulo tratou de convidar para uma conversa posterior ao encontro. “Houve entendimento e o ArtePraia ecoou mesmo em cidades onde não há praia”.
Fonte: tribunadonorte.com.br
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