terça-feira, 11 de abril de 2017

Zanin: “Com a Lava Jato formalizou-se um verdadeiro Estado de exceção”



 
 



















Brasil de Fato – Cristiano Zanin, quais as expectativas da defesa do ex-presidente Lula nos 5 processos em que ele é réu em nas operações Lava Jato, Zelotes e Janus?

Cristiano Zanin – Todas as acusações, sem exceção, têm uma mesma característica em comum: são o que chamamos de acusações frívolas e sem materialidade alguma, porque são acusações que não são acompanhadas de quaisquer provas mínimas que sejam. Os procuradores e delegados elegem uma tese e, mesmo não conseguindo qualquer demonstração material para apoiar essa tese, isso vira processo judicial. No chamado “processo do Triplex” nós tivemos 24 audiências, foram ouvidas 73 testemunhas sendo 27 delas selecionadas pelo próprio acusador, o Ministério Público. Mas não há nenhuma testemunha nesse processo que confirme a acusação do Ministério Público. Ao contrário: o que temos são pessoas dizendo “eu nunca conversei de nenhum assunto indevido com o ex-presidente Lula”, “ele nunca me deu nenhum tipo de intimidade”.

Um exemplo é o [ex-diretor de abastecimento da Petrobras] Paulo Roberto Costa. Ele foi perguntado por uma das pessoas presentes na audiência se mantinha alguma relação com o ex-presidente Lula, se era verdade que era tratado como “Paulinho”. Mas ele disse que “jamais”. Disse que nunca foi tratado por apelido pelo ex-presidente Lula, nunca teve intimidade e nunca se reuniu com o presidente fora de reuniões institucionais e com a presença de diversas outras pessoas. Essa lógica está presente em todos os outros depoimentos.

Mais recente tivemos depoimentos do ex-diretor da Polícia Federal, ex-procuradores gerais da República, ex-ministro da Controladoria Geral da União (CGU) e todos eles, além de dizerem que jamais ouviram ou souberam qualquer fato que pudesse relacionar o ex-presidente Lula à prática de ilícitos, ao contrário, afirmaram de forma muito incisiva que foi no governo Lula que foi criado todo o sistema de combate à corrupção que hoje está sendo utilizado inclusive pela Lava Jato. Então não só houve a criação efetiva de órgãos de controle, como também houve a sistematização desses órgãos para permitir o amplo cruzamento de informações, essa expertise no combate à corrupção. O juiz [Sérgio] Moro, inclusive começou participando da ENCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), que foi criada no governo do presidente Lula.

Então tudo aquilo que se acusou, tanto no papel como na televisão, naquele episódio do “power point”, tudo é absolutamente desmentido nas audiências que foram realizadas. Uma curiosidade é que aquele procurador que concedeu a coletiva de imprensa do power point e fez acusações pela televisão, ele não compareceu a nenhuma das 24 audiências.

Como a defesa tem visto o grande espaço que os acusadores e juízes têm ocupado nos noticiários?

Existe legislação que expressa que o juiz não pode falar publicamente de processos que estejam sob a sua responsabilidade. Mas se tornou comum que juízes deem declarações públicas sobre esses casos que estão sendo conduzidos por eles. E acho que isso é um problema, pois ele antecipa posicionamentos perante a imprensa, quando o lugar para ele debater e se posicionar é no processo. E quando isso acontece no processo penal, torna-se algo ainda mais grave. Porque esses posicionamentos muitas vezes se tornam “pré-julgamentos”. E uma vez emitido esse “pré-julgamento” fica muito difícil que posteriormente o juiz reveja sua posição. A tendência é que ele acabe defendendo seu “pré-julgamento” e, portanto, não permitindo que o acusado tenha um julgamento justo e imparcial.

Essa questão é um dos pontos que abordamos na defesa do ex-presidente Lula, pois entendemos que já houve vários “pré-julgamentos” em relação a ele. Matérias que são objetos de denúncia já foram em algum momento alvo de declarações das autoridades envolvidas e isso prejudica de uma forma insuperável a garantia de que a pessoa, o réu, seja julgado de modo justo e imparcial. Essa é uma garantia fundamental. O Brasil não só tem na sua Constituição essa garantia, como também assinou tratados internacionais que deve cumprir, assegurando julgamento justo e imparcial aos acusados. Este é um ponto bastante relevante para a defesa do ex-presidente Lula e estamos discutindo a questão não só no plano nacional, como também no comunicado feito à Organização das Nações Unidas (ONU).

Em relação aos seguidos “vazamentos” de supostas delações e citações que são publicadas nos jornais e televisões?

Primeiro os vazamentos mostram uma ação seletiva daqueles que vazam, porque são vazamentos pontuais e relacionais a determinadas pessoas. Segundo: esses vazamentos acabam por ferir gravemente a garantia de presunção de inocência. Como tem funcionado o processo de vazamentos? O agente do Estado tem determinada informação que deveria ser mantida em sigilo, mas acaba cedendo a informação a determinadas pessoas de sua relação. E isso chega até a pessoa que está de alguma forma envolvida com o material que é objeto de vazamento, mas esta pessoa não conhece o teor dos vazamentos. Então é comum que sejamos demandados por jornalistas que dizem “olha, consegui obter um trecho de uma delação que diz isso e aquilo”. Mas como é que podemos nos posicionar sobre algo que não conhecemos? Se não nos posicionarmos, será divulgada uma versão pela imprensa com base nesse vazamento. E essa versão acaba se cristalizando perante a opinião pública e afasta a presunção de inocência. Eles criam artificialmente um ambiente de culpabilidade em relação a uma pessoa que na realidade não praticou nenhum tipo de crime.

O caso da Operação Carne Fraca, em que a situação foi apresentada e posteriormente precisou de algumas “correções”, deixou claro a precipitação de alguns agentes do Estado.

Esse episódio revelou o quanto uma atuação midiática da Polícia Federal pode ser nociva ao Estado democrático de direito e aos interesses do próprio País. O papel da Polícia Federal é investigar e entregar subsídios da investigação para o Ministério Público, não é ir para a TV fazer juízos precipitados de valor. Quem tem que fazer essa análise é o Ministério Público e no processo judicial. Na Operação Carne Fraca todos os equívocos estão sendo revelados e mostram os prejuízos irreversíveis que podem ser gerados a partir de atuações indevidas de agentes policiais que extrapolam suas funções.

No caso do ex-presidente Lula temos violações que guardam algum paralelo de autoridades policiais que fizeram juízos de valor sobre o ex-presidente Lula sem ter essa atribuição. Existe até uma ação judicial que o ex-presidente move contra um delegado que fez uma menção a ele num relatório que não tratava do ex-presidente. Então é claramente uma extrapolação de sua atuação institucional. E temos outras extrapolações como ficou claro na tal entrevista do power point, em que foi feito um espetáculo de pirotecnia para acusar o ex-presidente na televisão. Inclusive não há sequer compatibilidade entre a acusação da TV e a acusação do processo. Aquilo foi algo apenas para denegrir a imagem do ex-presidente, para criar um desgaste, absolutamente desprovido de qualquer prova. Uma violação das garantias que deveriam ser protegidas de qualquer cidadão.

Qual tem sido o papel da imprensa nesse cenário?

Na minha visão existe uma atuação ilegítima por parte de determinados veículos de comunicação que acabam tendo prioridade na obtenção de informações. Eles usam dessas informações para criar um cenário de culpabilidade para aquelas pessoas que são inimigos deles ou que não são pessoas que esses veículos de comunicação admiram. Nós entregamos à ONU um estudo técnico que demonstra que a partir de março de 2016, quando houve a condução coercitiva do ex-presidente Lula para prestar depoimento, até outubro de 2016, só o Jornal Nacional dedicou 11% de sua programação para reportagens negativas em relação a Lula. E não existe nenhum registro de reportagem positiva. Este é um exemplo claro de atuação de um órgão de imprensa que quer criar um clima de culpabilidade através das ações da Operação Lava Jato. Como faltam provas contra o ex-presidente, eles criam um clima de culpabilidade para deixar a pessoa vulnerável a julgamentos e condenações mesmo não havendo nenhuma prova de que ela tenha praticado um crime.

É comum que a Operação Lava Jato seja comparada à Operação Mãos Limpas, que desbaratou esquemas de corrupção na Itália nos anos 1980. É uma comparação apropriada?

Eu não conheço a fundo a Mãos Limpas para saber se é possível fazer um paralelo. Mas faço um registro: alguns atos da Operação Mãos Limpas foram objetos de condenação pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Então não podemos tornar essa operação um paradigma acima de qualquer suspeita, porque ela cometeu violações a garantias e direitos fundamentais, assim como está ocorrendo aqui no Brasil.

Estamos em meados de abril, completando 53 anos do golpe militar que permitiu a violação direitos fundamentais de brasileiras e brasileiros. Que relação você faz entre os cenários de 1964 e o atual e que papel assume o Poder Judiciário na ruptura de agora?

O que se tem de paralelo é que sempre que se deixa de lado garantias fundamentas, os direitos do cidadão, você tem um processo ilegítimo. Então temos verificado, hoje, uma série de processos sem legitimidade, tanto no que tange ao afastamento de presidente eleito, como na perseguição política através de processos judiciais. Hoje há uma situação que tangencia com o Estado de exceção e isso é muito ruim para a democracia brasileira. E o papel que o Poder Judiciário tem assumido nessa condução é de muito destaque nesse cenário de ruptura e desrespeito ao Estado democrático de direito. Inclusive foi no âmbito da Operação Lava Jato que foi proferida uma decisão que diz que a Lava Jato não precisa observar os regramentos gerais, ou seja, a lei. Então foi dentro da Operação Lava Jato que houve a formalização de um verdadeiro Estado de exceção, através de uma decisão proferida por um tribunal brasileiro.

E sobre as discussões em torno da lei de abuso de autoridade, o fim do foro privilegiado e as “10 medidas contra a corrupção, como você, enquanto jurista, avalia?

O abuso de autoridade está disciplinado em lei e é crime e tem penas definidas. Hoje, pela legislação brasileira, nenhuma autoridade pode extrapolar seu poder ou abusar do poder que lhe é conferido pela Constituição Federal, ou ele estará cometendo abuso de autoridade. No Congresso estão debatendo projetos de aprimoramento dessa lei, buscando atualizar essa legislação que é de 1965. E eu acho importante que isso aconteça, porque estamos vendo vários abusos sendo cometidos e a lei precisa dar uma resposta a esses abusos. Ninguém pode estar acima da lei. Quando uma autoridade diz que tem receio de uma lei que possa atualizar o abuso de autoridade, das duas uma: ou a pessoa não conhece essa disciplina normativa, ou a pessoa comete abuso de autoridade e tem medo de ser punida.

Com relação às “10 medidas contra a corrupção” acho que elas têm por objetivo fundamentalmente esvaziar ainda mais as garantias fundamentais. A própria Operação Mãos Limpas mostra um processo de esvaziamento de garantias fundamentais. O tempo todo você tem interpretações que vão esvaziando as garantias clássicas trazidas na Constituição Federal. E há medidas absolutamente incompatíveis com a Constituição, como por exemplo você limitar habeas corpus, criar “testes de integridade” para funcionários públicos. São medidas que, longe de trazer benefícios, elas ajudariam a promover o esvaziamento de garantias fundamentais e poderiam até ajudar a conduzir o País ainda mais a um Estado de exceção.

Sobre o foro privilegiado: tecnicamente se chama “prerrogativa de foro por função”. Não é a pessoa que tem o foro, mas o cargo que a pessoa exerce. É uma forma que a Constituição estabelece para que essa pessoa possa exercer o cargo com tranquilidade e sem medo de ser perseguida ou ter de responder a processos em diversos lugares do País. Eu acho que se precisa discutir a extensão desse foro, saber quais as autoridades que realmente necessitam do foro privilegiado. Mas não é possível, ao meu ver, acabar com esse foro privilegiado ou com a garantia de foro por função, porque isso inviabilizaria o exercício de muitas funções públicas.

Está previsto para estrear em junho o filme “Polícia Federal, a lei é para todos – os bastidores da Operação Lava Jato”, com participações de atores globais como Ary Fontoura, Flávia Alessandra e Marcelo Serrado. O que esperar desse filme?

Temos vários questionamentos com relação a esse filme. O primeiro é que o próprio juiz [Sérgio Moro] que autorizou a condução coercitiva ilegal, mesmo esse juiz fez uma ressalva expressa de que não seriam admitidas imagens ou gravações. Ele escreveu com letras garrafais que eram “proibidas imagens e gravações em qualquer hipótese”. Então o fato de existir uma gravação já mostra que essa decisão judicial não foi respeitada pelas autoridades envolvidas na execução da ordem. Além de existir um vídeo, quando ele é disponibilizado para terceiros estranhos à investigação, essa conduta é ainda mais grave, porque você expõe a intimidade, a imagem e a honra das pessoas que estão envolvidas no processo judicial. E fazem isso para produzir uma obra que não tem nenhum interesse com relação ao processo. Ao contrário, é uma obra que quer colocar culpa em relação ao ex-presidente Lula, uma culpa que não foi reconhecida em nenhum processo.

Esses questionamentos foram apresentados ao juiz de Curitiba para que ele tome providências em relação a esses problemas, que são ilegalidades que aconteceram na execução da própria ordem que ele deferiu. Além do vazamento de filmagens a terceiros, existe o problema do envolvimento direto de autoridades na produção desse filme. Vários atores declararam publicamente que fizeram verdadeiros laboratórios com essas autoridades. Ou seja, essas autoridades se comprometeram com um roteiro que envolve pessoas que ainda estão pendentes de julgamento. Então é claramente uma violação em série, causada por essa relação promíscua entre autoridades e agentes estranhos às investigações, não só com o acesso aos materiais, mas compartilhando experiências com as autoridades.

Nos aproximamos de uma eleição presidencial no qual o candidato favorito é o ex-presidente Lula, que enfrenta esse bombardeio jurídico e midiático. Na sua avaliação isso tende a se agravar com aproximação do pleito eleitoral?

O ex-presidente ainda não definiu se será ou não candidato, até porque não é o momento apropriado para isso sob a perspectiva legal. Mas não se pode querer excluir ninguém das eleições através de uma perseguição política. Se a pessoa não cometeu nenhum crime e você passa a acusa-la sistematicamente e sem provas, fica evidente que existe o objetivo de interferir naquela atividade política, seja como candidato ou seja como ator político. Essas acusações de suspeitas sucessivas e difusas claramente buscam isso, interferir na atividade política dele. Isso por si só já é um prejuízo grande para ele. E se ele decidir ser candidato, a situação entra num espectro de perseguição em que usam das leis e procedimentos jurídicos para fazer a perseguição política, que para mim está muito clara.

O que levou a defesa do ex-presidente Lula a recorrer a organismos internacionais?

Nós fizemos um comunicado ao Comitê de Direitos humanos da ONU em julho de 2016 porque entendemos que não só ocorreram violações às garantias fundamentais do ex-presidente, como elas continuam ocorrendo. Nós levamos essas questões também ao judiciário daqui do Brasil. Os processos chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e foram recebidos pelo ministro Teori Zavascki. Ele recebeu todos os nossos questionamentos, as nossas impugnações, mas apenas uma delas foi analisada e acolhida, que foi a questão da interceptação e divulgação do telefonema entre o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma. Mas os outros questionamentos o Supremo mandou que o próprio juiz [Sérgio Moro] analisasse o caso, ele que ao nosso ver é o juiz que cometeu as infrações.

Nesse momento nós entendemos que não havia sistema recursal que pudesse, de modo eficiente, paralisar as violações das garantias fundamentais. E foi nesse momento que decidimos levar o comunicado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. Eles fizeram uma primeira análise do comunicado e entenderam que estavam presentes os requisitos para fazer o registro. O [Governo Federal do] Brasil foi chamado para apresentar suas explicações, o que ocorreu no fim de janeiro deste ano. Em seguida fomos intimados para apresentarmos uma resposta à resposta do Brasil. Quem recebeu a intimação pelo Governo Federal foi o Ministério das Relações Exteriores. E nesse caso houve uma peculiaridade: a peça protocolada pela Missão Brasileira na ONU tem um parágrafo, logo no início do documento, dizendo “a partir deste ponto, tudo o que está sendo escrito foi mandado pelo juiz e pelo procurador”. Então aqueles que ao nosso ver cometeram as violações foram aqueles que o Brasil escolheu para apresentar sua resposta na ONU. E isso vai ser bastante impugnado perante a ONU.

Zanin, você veio ao Recife para lançar o livro “O Caso Lula: a luta pela afirmação dos direitos fundamentais no Brasil”. O que o leitor vai encontrar nesse livro?

A coordenação do livro é minha; da Valeska Martins, que também advogada do ex-presidente; e do professor Rafael Valim, da faculdade de direito da PUC-SP. O livro é composto por diversos artigos escritos por 22 operadores do direito, como juízes, membros do Ministério Público e advogados contando sua visão em relação às violações das garantias fundamentais do ex-presidente Lula nos processos no âmbito da Lava Jato. Cada artigo aborda um aspecto dessas violações, mas todos eles mostram que o ex-presidente Lula vem sendo vítima, no âmbito da Operação Lava Jato, de violações das suas garantias fundamentais. A obra é publicada no Brasil pela Editora Contra Corrente e que não busca lucro para aqueles que a escreveram, mas sim o posicionamento de juristas renomados em relação a este tema. E há outras editoras de fora do Brasil interessadas em fazer o lançamento do livro em outros idiomas. Na Argentina já está confirmado que haverá o lançamento do livro, mas também há editoras interessadas em lança-lo em língua inglesa. É um processo ainda em construção. 


Fonte: Brasil de Fato

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