quinta-feira, 30 de junho de 2016

“Sanha entreguista” do governo pode significar retrocesso de 70 anos



 
 

Em entrevista aoPortal Vermelho, nesta quarta (29), o engenheiro teceu duras críticas às forças que assumiram o poder com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff.

“Eles não têm a menor preocupação com o desenvolvimento do país (...) Este grupo está única e exclusivamente interessado em atender ao interesse geopolítico dos Estados Unidos da América, daí porque realinhou a nossa política externa à visão norte-americana. Significa um retrocesso, não de 20, mas de 70 anos”, disse.

Em seu primeiro discurso no posto, no início de junho, o novo presidente da Petrobras, Pedro Parente, defendeu rever a legislação do pré-sal, que hoje determina uma participação mínima de 30% da estatal na exploração desses campos. 

Para o presidente do Clube de Engenharia, a posição é equivocada e reflete o perfil do executivo. “Ele diz isso porque não tem visão nacional. Ele tem a visão de amesquinhar o papel da Petrobras na economia brasileira”, condenou. 

Celestino destacou que a Petrobras – empresa-símbolo do país – é âncora do desenvolvimento industrial brasileiro, responsável por uma cadeia de mais de 5 mil fornecedores, que geram centenas de milhares de empregos e produzem receitas para o país. Nesse sentido, fazer com que a companhia ceda seu papel na exploração do pré-sal seria um equívoco, algo que não atenderia aos interesses verde-amarelos. 

“O pré-sal é a maior descoberta de óleo do planeta nos últimos 30 anos. No mundo, há hoje duas grandes províncias petrolíferas: a da Arábia Saudita e a do pré-sal brasileiro. Abrir mão do papel de liderança da Petrobras na exploração e produção de petróleo e em toda a cadeia ligada ao petróleo, abrir mão do papel da Petrobras como uma empresa integrada, como todas as grandes petroleiras são, não atende ao interesse do país”, defendeu.

BNDES, ciência e tecnologia na berlinda

De acordo com ele, o descaso do governo Temer com um projeto nacional pode ser medido pelo enfoque dado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 

“Basta dizer que a presidenta do BNDES, Maria Silvia [Bastos Marques], não se referiu, no discurso de posse dela, à palavra ‘indústria’. Ela colocou como papel do banco financiar privatizações e concessões. O BNDES é o terceiro maior banco de desenvolvimento do mundo, desempenha há décadas papel importantíssimo na economia nacional. E agora está sendo relegado a mero financiador de concessões e privatizações”, lamentou.

O engenheiro também condenou a condução dada à área de Ciência e Tecnologia, segundo ele, desprezada pela atual gestão. “Foi relegada a uma posição secundária pelo governo, destruindo um esforço de anos. A política de incentivo à Ciência e Tecnologia vem, a bem da verdade, desde os governos militares. Tudo isso está sendo colocado em xeque, por força da sanha entreguista desse governo”, disse.

Destruir empresas nacionais de engenharia

Questionado se estaria em curso um processo de tentar enfraquecer a Petrobras, como forma de justificar uma política de privatização, Celestino não hesitou: “Com certeza”. Para ele, um exemplo disso foi a forma como teria sido ignorada a mais recente descoberta da companhia. 

“A Petrobras anunciou no dia 15 de junho a descoberta de uma coluna de óleo leve de mais de 400 metros de espessura, no campo de Libra, de petróleo de excelente qualidade. E essa notícia não mereceu uma linha da imprensa. Nem o próprio governo comentou uma descoberta, que é a maior ocorrida em território nacional”, apontou. 

Segundo ele, a “política de enfraquecer” a Petrobras não começou com a chegada de Parente à companhia, mas com uma instrumentalização da Operação Lava Jato. “Começou com a dimensão gigantesca que se deu à Operação Lava Jato, que era para apurar desmandos e que toda a sociedade aplaudiu, e passou a ter um conteúdo político nítido de destruir as empresas nacionais de engenharia e de destruir a Petrobras, porque ela é âncora do desenvolvimento brasileiro”, analisou. 

Um dos argumentos utilizados para desvalorizar a Petrobras diz respeito à sua atual situação financeira. A petroleira possui hoje um endividamento bruto de R$ 450 bilhões. Celestino ponderou, contudo, que a companhia só está endividada porque tomou a decisão correta de investir na descoberta de petróleo. 

“Eu já havia dito no início que não há novas descobertas de petróleo no mundo há 30 anos. As outras empresas petroleiras estão com a relação de endividamento muito mais baixa que a da Petrobras, porque não descobrem petróleo. Elas têm dinheiro, mas não têm petróleo. A Petrobras se endividou porque achou petróleo e estava corretamente investindo para aumentar a produção brasileira de petróleo para atender à necessidade nacional”, opinou.

Segundo ele, é o endividamento que possibilita o contínuo aumento da produção de petróleo, ao contrário do que tem ocorrido com os concorrentes, que têm reservas e produção diminuídas a cada ano. 

O presidente do Clube de Engenharia rechaçou o alarmismo em relação à Petrobras, lembrando que foi exatamente essa circunstância que levou a Shell, petroleira anglo-holandesa, a comprar a BG no Brasil por US$ 75 bilhões de dólares, mesmo com o petróleo em queda.

“Fez isso porque via na compra a aquisição de reservas para possibilitar, a partir da exploração do nosso pré-sal, o aumento da produção de petróleo aqui no Brasil, dos 100 mil barris de óleo por dia para 500 mil barris por dia - o que corresponderá a 20% da produção de petróleo da Shell”. 

Petrobras como mera produtora de óleo bruto

Celestino avaliou que o processo de “desmonte” da Petrobras teria começado ainda na gestão de Aldemir Bendine, ex-presidente da estatal. Indagado sobre a política de venda de ativos defendida por Parente, ele afirmou não ser contrário a vender ativos, mas desde que obedecendo a critérios – o que não estaria acontecendo agora. 

“Toda empresa de petróleo compra e vende ativos. Mas tem que saber o que está vendendo e tem que saber qual a melhor oportunidade para vender. O que eles estão fazendo com essa venda de ativos é acabar com a característica principal da Petrobras, que é ser uma empresa integrada na área de petróleo. Isto é, uma empresa que explora, produz, refina o petróleo, vai para a petroquímica e tem cadeia de distribuição, atende a todo o território nacional. Isso eles estão querendo destruir”, criticou.

Segundo ele, caso se concretizem os planos da gestão Temer, a Petrobras passaria a ser mera produtora de óleo bruto. “Estão querendo vender a distribuidora [BR distribuidora], se desfazer da rede de dutos, alienar os navios, de tal forma que a Petrobras passe a ser uma mera empresa produtora de óleo bruto, como era a Venezuela antes de Chávez, importando tudo que vem do petróleo”, lamentou.

Empregos em Cingapura

Quando assumiu a presidência da estatal, Pedro Parente sinalizou também uma mudança de posicionamento na política de conteúdo local, que garante a aquisição de um volume mínimo de bens e serviços brasileiros nas encomendas feitas pela Petrobras. 

Celestino comentou o posicionamento: “Claro, ele [Parente] não tem o menor interesse em defender o Brasil. Ele não está ali para isso. Então, para ele, o que importa é gerar emprego em Cingapura, desde que signifique melhor negócio para a empresa. A Petrobras é estatal porque atende ao interesse nacional. Se não for para atender ao interesse nacional, não precisa ser estatal”.

O presidente do Clube de Engenharia encerrou a entrevista citando que todas as medidas anunciadas estão dentro da “mesma lógica”, que é “enfraquecer a indústria brasileira e nos transformar novamente numa imensa plantation, uma grande fazenda”.

“Porque o agronegócio não tem a menor preocupação com isso. Para o agronegócio, o que importa é ter boa estrada e bom porto. E a cabeça do agronegócio está em Chicago, em Londres e, em Miami, para gastar o dinheiro. Não há a menor preocupação com o desenvolvimento brasileiro, como os seus antepassados também não tinham – os barões de açúcar, do café... O agronegócio é moderno, mas não tem visão nacional”, disparou.

Fonte: Portal Vermelho

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Temer mascara cortes em programas com "reajuste" do Bolsa Família



 
 

Ao anunciar o reajuste, Temer fez um discurso cheio de pompa afirmando que seu governo não "desmoraliza" o passado e dá prosseguimento a programas que, na opinião dele, são "exitosos". Mas ao final do discurso quem ficou desmoralizado foi ele e seu gabinete dos sem voto. 

Mas na mesma cerimônia, o ministro Osmar Terra admitiu que o reajuste já estava previsto orçamento da pasta, mas havia sido contingenciado pelo governo Dilma, por conta da não aprovação da meta fiscal. “[O aumento] não mexe no ajuste fiscal e estamos trabalhando dentro das possibilidades financeiras do ministério", declarou Terra.

Ele se refere ao aumento anunciado por Dilma em maio deste ano, poucos dias da votação do pedido de impeachment no Senado, que garantia um aumento de 9% no benefício do Bolsa Família. Na época, com Temer ainda na vice-presidência, seus pares criticaram a medida, afirmando que Dilma queria dificultar as condições orçamentárias do governo interino.

“Diziam que a autorização dada por Dilma era ilegal, que era irresponsabilidade fiscal e eleitoreira. Agora pode?”, questionou a ministra do Desenvolvimento Social do governo da presidenta Dilma, Tereza Campello.

“Finalmente reconhecem que o reajuste dado pela presidenta era legal, correto e responsável”, frisou Campello, destacando que “o governo golpista achava que não conceder o reajuste do Bolsa Família, anunciado pela presidenta Dilma, iria ficar impune. Mais uma vez Temer é pressionado e é obrigado a voltar atrás”.

Quando Dilma anunciou o aumento de 9%, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Cãmara dos Deputado, disse: "Dilma quebrou o país e agora está aumentando o buraco".

Outro a criticar foi Moreira Franco (PMDB), braço direito de Temer e atual ministro do governo provisório. "O povo não é bobo”, afirmou ele, dizendo ainda que que o último aumento dado aos beneficiários do Bolsa Família foi em 2014, próximo das eleições presidenciais "e sem considerar a inflação".

“Só agora anuncia um novo reajuste”, esbravejou Moreira, que é responsável pela elaboração do programa Travessia Social do PMDB, que prevê entre outras medidas a “reformulação do Bolsa Família”, o que significa dizer que se trata da sua redução até a sua extinção.

Aliás, no discurso durante a cerimônia, Temer disse que seu governo por enquanto mantém o programa, "mas o objetivo é, num dado momento, ser desnecessário o Bolsa Família, essa é a intenção".

E foi justamente para garantir a correção do benefício que a presidenta Dilma decidiu antecipar o anúncio. Ela tem denunciado os riscos de "retrocesso" nos programas sociais programados por Moreira Franco e Temer.

Corte de programas socias

Agora, o reajuste passou de 9% para 12,5%. Como conseguiram tal proeza? Em entrevista ao Vermelho, Ieda Castro, secretária nacional de Assistência Social do governo Dilma, apontou a pedalada orçamentária. Disse que o tal “reajuste” na verdade é um remanejo de recursos, que máscara os cortes na pasta.

“Como eles retiraram ou deixaram de implementar alguns programas sociais, deixando de oferecer serviços, remanejaram a verba para o programa Bolsa Família”, enfatizou Ieda.

O ministro de Temer confessou tal medida. Disse em discurso que foi preciso fazer uma "reprogramação" orçamentária para garantir o reajuste, mas não quis detalhar quais foram as áreas que perderam recursos para garantir o reajuste do Bolsa Família.

Outra argumentação do gabinete de Temer para conseguir conceder o reajuste foi a suposta identificação de fraudes no programa. Ieda também desmontou esse argumento.

“Isso é uma mentira. O que eles chamam de fraude é um processo de revisão que acontece sistematicamente em relação ao benefício. Todo o ano é feito a atualização cadastral e revisão do cadastro que identifica algumas inconsistências no cadastro. É dado um prazo para a família atualizar essas informações e, algumas vezes a família não comparece ou não o faz dentro do prazo, o que leva ao bloqueio automático do benefício. Isso não cancela o benefício, apenas bloqueia por um determinado período”, destacou. 

“Dizer que é frade é comprometer o trabalho que os municípios fazem, porque quem faz a atualização, revisão e acompanhamento dos dados cadastrais não é o governo federal, mas os municípios”, pontuou. 

Ela citou como exemplo a rotatividade do mercado de trabalho, situação em que o beneficiário consegue arrumar um emprego e o programa, por meio do cruzamento dos dados, consegue identificar e bloqueia o benefício. Quando o município, que tem um prazo de seis meses para atualizar o cadastro, vai fazer a verificação constata que o beneficiário voltou a ficar desempregado. 

“Não é fraude porque como as bases de dados são anuais e não se pode excluir definitivamente essa família do programa, apenas bloqueá-la”, destacou. 


Do Portal Vermelho

terça-feira, 28 de junho de 2016

Vanessa Grazziotin desmonta a tese golpista dos decretos suplementares


Agência Senado
 
 


Vanessa destacou na entrevista que a perícia só saiu por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), porque a maioria dos membros da Comissão do Impeachment, que votam a favor do afastamento da presidenta Dilma, não queriam a realização da perícia.

“Tanto sobre a perícia, como na fase de oitiva das testemunhas, eles têm evitado fazer perguntas porque a eles não interessa a produção de provas. O que é lamentável, já que no curso de um processo o acusado, ou seja, o réu, é quem foge da produção de provas. O que vemos na Comissão é totalmente o contrário”, frisou.

Para ela, a perícia “chancela a nossa tese inicial: não há qualquer participação da presidenta Dilma na execução do Plano Safra”.

Uma das acusações na denúncia contra Dilma diz que a presidenta cometeu “pedalada fiscal” por conta do atraso do repasse de R$ 3,5 bilhões do Tesouro ao Banco do Brasil para o Plano Safra. No entanto, o laudo diz que não identificou ação de Dilma no episódio: “Pela análise dos dados, dos documentos e das informações relativos ao Plano Safra, não foi identificado ato comissivo da Exma. Sra. Presidente da República que tenha contribuído direta ou imediatamente para que ocorressem os atrasos nos pagamentos”, afirmaram os peritos no relatório.


“Eles podem dizer: a perícia diz que é operação de crédito. Ora, a perícia diz que é operação de crédito, mas essa não é uma questão pacificada. E mesmo que fosse, isso acontece desde 2001 e nenhum presidente foi punido por conta disso. Pelo contrário, o tribunal de contas nunca alertou que isso seria uma irregularidade”, destacou a senadora. 

Derrubada a tese do Plano Safra, sobram os decretos suplementares. Os que defendem o golpe se agarram na afirmação do relatório de que três dos quatro decretos "promoveram alterações na programação orçamentária incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário vigente à época da edição".


“Fica muito difícil para a acusação, pois eles argumentavam que havia participação dela. E não há. O resultado da perícia, as testemunhas, inclusive aquelas que foram arroladas pela acusação, tem deixado muito claro que a participação da presidenta não foi nem comissiva e nem omissiva”, frisou.

Quanto aos decretos terem sido assinados sem a suposta autorização do Congresso Nacional, a senadora afirma que tais decretos têm a autorização legal. “Eles têm a autorização legal e vem desde que foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes, a Lei Orçamentaria dizia que o governo pode abrir crédito suplementar, mas ao mesmo tempo tem que anular o outro crédito. Foi evoluindo a legislação e acabou que por muitos anos, essa autorização para abertura de crédito suplementar por decretos já é aprovada na Lei Orçamentária Anual, a LOA, tanto que está previsto no artigo 4º desta lei que autoriza a presidente a abrir créditos suplementar. Portanto, autorização legal existe”, enfatiza.

Segundo a senadora comunista, os golpistas se apegam ao texto do artigo 4º, que diz que os créditos podem ser abertos, desde que não impactem na meta fiscal programa.

“Neste caso temos dois pontos diferentes: a programação orçamentária e a programação financeira. Então, quando temos a programação orçamentária, que nesse caso prevê a abertura de crédito, mas não necessariamente esse crédito está sendo autorizado o seu uso. A ele também impõe o limite de gasto que é aprovado em abril de cada ano. No início de cada ano o governo passa a sua programação financeira e contingencia, limita os gastos do governo”, explica. 

Segundo ela, no ano de 2015, que é o ano em que se baseia o pedido de impeachment, o contingenciamento feito no mês de abril foi de mais de R$ 70 bilhões. Por outro lado, os decretos somados, não chegam a R$ 1,5 milhão.

“Não teve impacto na meta”, reforça Vanessa Grazziotin, pontuando ainda que mesmo que impactasse a meta, tal fato não gera obrigação. 

“O que é meta pela lei? É uma obrigação? Não. Meta é um objetivo. O alcance da meta é obrigatório? Não. Nunca foi. Os decretos de crédito não são novidade. O mesmo aconteceu em 2001 e 2009, isto é, as metas foram mudadas depois de terem sido aberto os decretos. Em 2001, em que o presidente era o Fernando Henrique, não somente ele mudou a meta como não cumpriu a meta. E nem por isso sofreu qualquer processo. Governadores do Brasil não cumprem a meta”, lembrou a senadora.

Para ela, essas acusações contra a presidente Dilma “não são risíveis nem cômicas porque são drásticas”. “Estão sendo utilizadas como desculpa para tirar uma presidente que foi eleita. Aproveitam-se de um momento de fragilidade da nossa economia para arrancar a presidente Dilma”, pontuou.

E conclui: “O objetivo dos que defendem o impeachment é aplicar o seu projeto que retira direito dos trabalhadores, que avança nas privatizações. Temos no mínimo duas medidas provisórias tramitando e um PEC (Proposta de Emenda à Constituição) enviada pelo próprio presidente interino Michel Temer. Essa PEC limita os gastos públicos que significa dizer que não haverá mais contratação de servidores públicos, ninguém mais vai receber reajuste ou aumento salarial, a Educação e a Saúde não terão mais recurso vinculados, o que significa diminuir enormemente”, denuncia a senadora. 


Do Portal Vermelho, com informações da Rádio Brasil Ataul

É o momento de mostrar que podemos barrar o retrocesso, diz Lula



Divulgação
Lula enviou uma mensagem em vídeo aos participantes do Foro de São Paulo realizado em El Salvador
Lula enviou uma mensagem em vídeo aos participantes do Foro de São Paulo realizado em El Salvador

Lula destacou que o primeiro encontro do Foro de São Paulo, realizado em 1990 na capital paulista, foi o impulso para um largo processo de mudanças positivas em vários países da região. E agradeceu a solidariedade dos chefes de Estado e dirigentes políticos das nações vizinhas no processo de tentativa de barrar o golpe em curso no Brasil. 

“Desde que nos reunimos pela primeira vez em São Paulo em 1990 conquistamos grandes avanços para nossos países. Vencemos muitas eleições difíceis, aprovamos leis muito mais democráticas, apostamos na participação política das classes populares e promovemos transformações sociais de grande envergadura, livrando da pobreza e da exclusão milhões e milhões de pessoas”, afirmou o ex-presidente. 

Para Lula, as reuniões do Foro são fundamentais para o alinhamento estratégico dos partidos progressistas de esquerda e centro-esquerda. “Há 26 anos o Foro de SP tem sido uma referência fundamental da América Latina na defesa da democracia e da transformação social. Em pouco mais de uma década a América Latina mudou para melhor sob a liderança de partidos que integram do Foro de São Paulo. Além disso o Foro de São Paulo contribuiu positivamente para o diálogo e a cooperação entre nosso povos e países.” 

O ex-presidente acredita também que os mecanismos de integração não teriam sido possíveis sem este processo de “diálogo franco” entre os países. “A Celac, a Unasul não seriam possíveis sem este diálogo franco e generoso entre partidos progressistas de esquerda e de centro-esquerda. Tivemos mais de uma década de avanços extraordinários, mas a verdade é que hoje estamos passando por um momento grave que ameaça a democracia e as conquistas sociais em vários países da região.” 

Golpe no Brasil

Lula aproveitou a ocasião para denunciar, uma vez mais, o golpe em curso no Brasil cujo principal objetivo é “destruir as conquistas sociais, entregar o patrimônio público e solapar a solidariedade que construímos entre países irmãos”. 

“Aqui no Brasil as forças conservadoras e antipopulares tentam consolidar um golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff. Ao qual resistem amplos setores democráticos e progressistas. Trata-se de um processo de impeachment fora da lei e da Constituição porque a companheira Dilma não cometeu crime algum”, defendeu Lula. 

“A defesa da democracia no Brasil, como em qualquer outro país da região, é uma causa que diz respeito a todos os companheiros da América Latina. É a causa dos pobres, dos humildes, dos trabalhadores, das mulheres, dos indígenas, dos negros, de todos que foram secularmente explorados e oprimidos em nosso continente. De todos que nesta última década elevaram sua voz e conquistaram sua vez”, disse. 

Por fim, Lula agradeceu a solidariedade recebida pelos países vizinhos e convocou as lideranças a barrar o golpe em curso e seguir no rumo do progresso e das conquistas sociais.

Assista ao vídeo na íntegra: 
 


Do Portal Vermelho, Mariana Serafini

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Eles não me tiraram, continuo sendo presidenta, diz Dilma


“Eles ainda não me tiraram não, eu continuo sendo presidenta”. A afirmação foi feita pela presidenta eleita Dilma Rousseff, durante entrevista para a Agência Pública, disponibilizada nesta segunda-feira (27).
Durante a conversa com uma equipe de entrevistadoras, Dilma falou sobre a defesa no processo de impeachment que está em andamento no Senado e garantiu que continuará a luta pela Presidência da República.
Além disso, Dilma falou sobre sua trajetória, sobre o golpe, fez uma avaliação sobre as forças políticas do país e sobre o que o “golpe parlamentar” representa para a democracia.
Confira a entrevista, abaixo, na íntegra:
Vera Durão: Queria saber de você como a ideia de se tornar presidente da República tomou corpo na sua cabeça. Foi uma sugestão do Lula ou você também tinha essa pretensão?
Dilma Rousseff: Ô Vera, é assim quase público e notório que eu não tinha a menor pretensão de ser presidenta, tampouco de concorrer a nenhum cargo eletivo naquele então. Foi assim uma coisa “espontânea muito pressionada” – conhece “espontânea muito pressionada”? [risos] Foi isso o que aconteceu.
Vera Durão: Você se sentiu na obrigação de aceitar? 
Dilma: Acho que não aceitar é correr da raia, é coisa muito importante para se recusar. E, tendo feito tudo o que fiz no governo dele, era não dar sequência ao que a gente vinha fazendo. Porque, na prática, quando assumi a chefia da Casa Civil, em 2005, eu coordenei o governo. De junho de 2005 em diante. Então, todos esses programas eu vi nascer, participei da formatação, tanto os que ocorreram no governo dele como as decorrências de todo esse processo no meu governo. É uma continuidade.

Vera Durão: E como foi isso na sua cabeça, quando ele te propôs [ser candidata a presidente]?
Dilma: Ah, Vera, eu nem lembro, minha querida. Isso faz parte de outro mundo, de outra época.

Vera Durão: Você se sentiu segura ou achou mais que era uma questão de obrigação? 
Dilma: Não teve essas interrogações assim existenciais não.

Vera Durão: Nem do ponto de vista de [ser] mulher?
Dilma: Não. Não era esse o problema. A questão não era essa.

Natalia Viana: E quando foi que a senhora sentiu que queria fazer o seu governo?
Dilma: Uai, desde o início. Não tem como. Agora, todo governo é um governo de equipe, de projeto. Ninguém é um indivíduo solto no governo. Você tem um projeto, você tem um conjunto de propostas, você tem um grupo de pessoas. Não tem como chegar em um governo e ser sozinho na vida. É óbvio que é uma praxe política falar “olha, é o governo do fulano”, mas é o governo de uma equipe, dum projeto, duma proposta.

Natalia Viana: E a senhora pensou que era importante ter a marca de ser o governo de uma mulher? 
Dilma: Isso é claro. Tanto é que acho que o transformador nessa história é que era o governo de um metalúrgico, trabalhador, operário, ou seja, da senzala – se você fizer aquela imagem clássica do Gilberto Freyre, Casa-grande & Senzala –, era o primeiro governo que não era do andar de cima, isso do ponto de vista do governo dele; e, no meu caso, era candidata a ser a primeira mulher presidente da República.

Vera Durão: Esse argumento foi usado pelo Lula para te convencer?
Dilma: Não. Ele tinha isso muito forte, ele propunha isso. Mas não se trata de achar que era só uma questão de alguém pegar um bom argumento para me convencer. Não era essa questão. Não pode ser. Se fosse isso, seria algo muito superficial. É ter um conjunto de razões, sendo que essa é uma delas – e essa é importante.
Porque ser o primeiro governo de uma mulher no Brasil, um país que diz que não tem nenhum preconceito contra a mulher, mas está eivado de preconceitos, era algo muito importante. Obviamente, guardando as devidas proporções, porque acho que o preconceito contra a mulher é completamente diferente do preconceito contra os trabalhadores, as pessoas de segmentos sociais mais pobres. Contra a mulher é outro preconceito porque passa por uma porção de estereótipos que se tem sobre a mulher.
Por exemplo: mulher não pode ser firme, tem que ser dura. Mulher tem que ser ríspida, não pode ser uma pessoa que tem posição. Mulher não é afeita a coisas públicas – e aí aquela frase reiterada sobre mim, da minha “imensa dificuldade de lidar com os políticos”, como se [eles] fossem a coisa pública, ou como se alguma dificuldade de se lidar com os políticos não derive, em alguns momentos, da crise de valores que a política no Brasil atravessa. E outras coisas que tais: mulher tem necessariamente de ser frágil.
Se ela não for frágil, ou ela está tendo um ataque de loucura, não está no pleno exercício da sua condição racional, ou você, de uma certa forma, está alienada. Eu cheguei a dizer que eu era uma mulher dura no meio de homens meigos, imensamente meigos, tudo muito meigo, muito doce.
Marina Amaral: A senhora já tinha poder no governo Lula. A senhora sentiu alguma mudança quando virou presidente, no modo como era tratada pelos políticos?
Dilma: Não. Não, em termos. Nunca tinha havido uma chefe da Casa Civil, o segundo cargo mais importante, que funciona como uma variante de uma chefia de gabinete no sentido de estrutura de gestão. Mas também nunca tinha havido uma ministra de Minas e Energia, nem nunca tinha havido uma secretária de Fazenda do município de Porto Alegre.
Ainda no período do [governo do] Fernando Henrique Cardoso, fui secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul. Só tinha eu de mulher. E se tem uma coisa em que o debate é muito técnico é aquele, não é propriamente coisa de mulher, entre aspas. Eu acho que é uma coisa de mulheres, não tem área interditada pelo fato de você ser mulher.
Você ser sozinha enquanto gênero em qualquer lugar já mostra um “estranhamento” cá para nós – vamos chamar de estranhamento. Já mostra que tem algumas dificuldades da sociedade em lidar com fatos pioneiros. Agora, ser presidente é um passo além, e nesse sentido há diferença, sim, pois é uma autoridade que é mais inequívoca do ponto de vista em que ela é mais geral. Há, sem sombra de dúvidas, uma visão que em alguns momentos você percebe.
Ontem eu estava conversando com uma cineasta que me disse que, quando ela conseguiu ganhar um certo prêmio, ela achou que tinha ultrapassado o limiar do preconceito para descobrir logo na sequência que esse limiar do preconceito estava bastante bem armado contra ela.
Porque na hora do prêmio, o olhar não era para ela, era para a parte masculina da produção. E ela perguntou isso para mim: como é que foi isso com o governo? Eu disse para ela: quando você é presidente, essa discussão sequer é levantada, porque a caneta é sua. A tua autoridade não é passível de contestação. Isso é muito grave.
Natalia Viana: Algo surpreendeu a senhora no tratamento da imprensa ou dos políticos?
Dilma: Da imprensa eu passo surpresa todos os dias, passei surpresa desde o início do meu mandato, não só por ser mulher, mas também pelo projeto que eu represento. Eu não sou propriamente uma pessoa cujos aspectos positivos são realçados.

Andrea Dip: A ONU chegou a soltar uma nota em repúdio à violência de gênero com que a imprensa estava tratando a senhora, principalmente durante o processo de impeachment.

Dilma: Eu acredito que tenha isso, mas a violência não começou agora, a não ser que a gente esqueça o passado. A violência está no fato de que tem uma história sobre mim. Uma vez um repórter falou assim pra mim: “Mas então você é normal!”. Ou seja, se eu ando de bicicleta, eu sou normal.

Outro dia me perguntaram se eu dormia de sapato. Sabe as histórias que diziam que a gente, na clandestinidade, dormia de sapato, e eram verdade? A gente dormia de sapato para fugir. Eu sou presidenta da República, como é que vou dormir de sapatos? Para fugir? Você entende? Tem estereótipo atrás de estereótipo.
Vera Durão: Você acha que o fato da gente ter militado do jeito que militamos – luta armada, clandestinidade –, isso não te deu – a mim me deu, como mulher – uma grande independência e condição natural de conviver com os homens?

Dilma: Eu acho, Vera, que naquela época a questão de gênero, assim como a questão racial e do meio ambiente, não eram pautas. Estamos falando do final da década de 60, início da de 70. A questão de gênero, a questão da homossexualidade, a questão dos transexuais, enfim, um conjunto de questões que hoje são triviais entre nós…

O que eu acho que faz é o fato de que sua experiência política como pessoa, e aí, como mulher, você adquire uma capacidade bastante grande de enfrentar dificuldade e lidar com situações anômalas. E eu sempre digo que prefiro que as pessoas adquiram isso em outros momentos da vida e não na cadeia; não é necessário passar pela cadeia para adquirir isso, nem pela clandestinidade [risos]. Agora, isso faz parte da história da gente, do que enfrentamos na vida.
Marina Amaral: Na entrevista que a senhora deu ao Luís Nassif, parece que a senhora traça um roteiro do que resultaria no impeachment, os sinais que foi percebendo. Por exemplo, a senhora diz que foi estranho o momento em que ocorreram as manifestações de junho de 2013, que era um momento em que a senhora estava tentando estabilizar a economia, alavancar o investimento a longo prazo, baixar os juros – já estava enfrentando uma pressão dos empresários –, e naquele momento acontecem as manifestações de junho.

Dilma: É que eu acho que ali, nas manifestações de junho, a razão é uma outra razão. Porque ali você não está em uma situação de crise econômica. O que aconteceu em junho de 2013? Quando você conquista direitos, isso não significa que as pessoas se sentem de uma certa forma contempladas inteiramente.

Pelo contrário, a conquista de um direito abre espaço para a conquista de outros direitos. Por isso que a gente dizia: a superação da pobreza é só um começo. Ela não é o fim de nada, ela inicia. E o que a gente levantava é que, para um Estado excludente, como foi sempre o Estado brasileiro, porque era parte de uma sociedade excludente, de uma economia excludente, é mais fácil o processo no qual você transfere renda.
Quando você transfere renda, é uma decisão política; é óbvio que você tem que fazer um bom programa. Eu não estou diminuindo o inusitado e até revolucionário que é o Bolsa Família. É uma grande conquista, mas, assim que você faz isso ser massivo, as pessoas querem acesso a serviços de qualidade, querem serviços de educação de qualidade, querem segurança pública de qualidade. A reivindicação implica uma mudança do Estado, que tem um tempo de maturação maior.
Há um conflito, então, visível entre a rapidez com que o ganho de renda se dá e a rapidez com que o ganho de serviços ocorre. O ganho na área de serviços é mais lento. Daí a inconformidade também. Ao mesmo tempo, eu acho que esse é um processo, também, que começa com um descontentamento, um mal-estar com a política, com a representação política.
Não sei se vocês se lembram, em muitas manifestações, quando era positivo para uma pessoa, diziam: “Me representa! Me representa!”. Eu acho que já naquele momento, não da forma aberta como a partir de um determinado momento começou a ocorrer, aí também por conta das investigações de corrupção, mas começa a ocorrer um mal-estar com esse sistema de representação, que não é só típico do Brasil, esse mal-estar com a representação se dá em relação ao mundo todo. Mesmo considerando que o nosso governo sempre teve uma pauta, e agora isso vai ficar bem nítido, de participação popular. O Brexit, falando de hoje, explica um pouco o que acontece. Da direita à esquerda, viu?
Marina Amaral: Só pra terminar o assunto das manifestações. Talvez tenha sido imaginação minha, mas tive a impressão que a senhora estava dizendo que, além disso daí, a senhora viu algum tipo de orquestração? O surgimento da direita, por exemplo, que começou a aparecer no final dos protestos de junho… Surgiu alguma dica para o governo de que estava tendo uma manifestação da direita? O que eu quero dizer é que para mim, nesse processo e nessas manifestações pró-impeachment, o setor que mais perdeu foi o setor da oposição que tradicionalmente tinha um projeto, que é o PSDB.

Dilma: Não. Eu não acho que aquilo ali foi uma manifestação da direita. Eu não acho, realmente. Não acho que esteja ali o fulcro dos movimentos de direita, não acho. Acho que o fulcro dos movimentos de direita está em… Antes da crise havia já uma certa oposição a repartir privilégios no Brasil. Acho que este componente, diante da crise, radicaliza a classe média. E faz com que valores de direita sejam muito dominantes. Olha a pauta das manifestações pró-impeachment, e não é porque é pró-impeachment, mas olha as pautas delas.

Mas o que eu quero dizer é que, nesse processo e nessas manifestações pró-impeachment, pra mim, o setor que mais perdeu foi o setor da oposição que tradicionalmente tinha um projeto, que é o PSDB. Acho que o PSDB cometeu um gravíssimo equívoco político. Primeiro perdeu a cara porque endireitou.
Mas endireitou não só do ponto de vista dos projetos econômicos ou políticos. Endireitou do ponto de vista dos valores. Se misturou no movimento e deu força a ele. E estimulou, organizou e propôs um movimento que era baseado em algumas questões inadmissíveis.
Como é que [o PSDB] se mistura com um [movimento] que defende o golpe militar? Como é que é possível tratar de uma situação em que os direitos individuais e coletivos mais básicos são desrespeitados? Então eu acho que criou naquele momento, nessa transação do impeachment, uma situação muito ruim.
Por quê? Porque isso foi orquestrado, querida. Como foi orquestrado? Foi orquestrado logo depois da minha eleição. Não é lá em 2013. A minha eleição é uma eleição extremamente conflitiva. Ultraconflituada. Nunca houve uma eleição no Brasil com aquele perfil.
Acaba a eleição, eles pedem recontagem de voto, coisa que no Brasil não se via há séculos. Pedem auditoria na urna eletrônica. As duas coisas não se verificando, eles começam a tentar impedir a minha diplomação. Depois disso, apoiam a ida para a presidência da Câmara do senhor Eduardo Cunha, que tem uma pauta eminentemente de direita. E que faz, talvez, o processo mais grave no Brasil, que foi tornar o centro hegemonizado pela direita, rompendo com uma tradição centro-democrática que vem desde a redemocratização, com Ulysses Guimarães, a Constituinte, em que um dos protagonistas importantes foi o centro democrático no Brasil. O PMDB, o velho MDB, né?
Marina Amaral: Mas o PMDB, na visão da senhora, deu essa guinada quando o Cunha passou a liderá-lo, ou isso já vinha acontecendo?
Dilma: Ele dá essa guinada quando o Cunha assume a hegemonia dele. Porque ele teve a hegemonia. E essa hegemonia está expressa no governo do Michel Temer. Ele é Cunha. O Jucá não mente quando diz que Michel é Cunha. Um dos grandes problemas desse governo é esconder o Cunha. Porque o Cunha não é uma pessoa lateral deles. Ele é o líder deles. Líder em todos os sentidos.

Marina Amaral: Do PMDB inteiro ou líder da direita?
Dilma: Estou falando deste grupo que está no poder, este grupo que está no poder não é todo o PMDB, não é. Você tem gente no PMDB… Você tem o Requião no PMDB, o próprio Renan. Você tem pessoas das mais diferentes. Agora, este grupo que hoje é do governo Temer é o grupo hegemonizado pelo Cunha.

A proposta dele não é surpresa. O Cunha, vocês sabem – vocês são da imprensa, vocês acompanham –, qual é a pauta do Cunha. E as pautas-bomba que eles nos impunham é pra criar o caldo para o golpe.
Qual é a pauta-bomba? Bloqueia o governo. Nós não só não conseguimos aprovar as nossas pautas, como eles apelam para a mais lamentável demagogia, passando pautas que inviabilizam o país. Teve um momento em que, caso aprovasse, seriam 200 bilhões. Depois, mais recentemente, chegou a 400 bilhões.
Então, não só não aprova o que você manda, como também cria um nível de obstáculo para o exercício da atividade governamental. E é engraçado, que tem, pra mim, uma característica muito interessante nas críticas desse governo, que são assim, ó: o que esse governo faz? Primeiro, ele denuncia projetos que não existem.
Repórteres: Como assim?
Dilma: Na política externa: “Vou impedir a ideologização que o Brasil faz”. Então denuncia coisa que não existe. E a imprensa apoia. Segundo: critica medidas que nunca estiveram na pauta. Quando é que eles são óbvios? Quando, você pode olhar, toda vez que eles falam o que pensam, são obrigados a voltar atrás.

Porque não está no tempo ainda de mostrar todas as garras. Esperemos passar a discussão do impeachment e eleição, aí mostraremos todas as garras. Agora, uma garra feíssima já foi mostrada, né? É essa do teto de gastos. Pra gente ter uma ideia, no caso da educação, eu estou falando dos valores, na educação se gastou mais ou menos 101 bilhões [no ano], se não me engano.
A viger es­se pacto, nós teríamos gasto este ano 35 [bilhões] só. Então vejam o que vai significar isso para o futuro. Porque o raciocínio é simples: você corrige o gasto de educação pela inflação; aí aumentam as pessoas [estudando], e o gasto está só corrigido pela inflação, o que acontece? Do ponto de vista real, diminui o gasto por pessoa! Óbvio! Além disso, faz isso mais quatro governos e mais esses dois anos, ou seja, quatro governos estarão impedidos de exercer o direito político do orçamento.
Natalia Viana: Presidente, e em termos dos interesses econômicos? Por exemplo, qual foi o peso do pré-sal na articulação pelo seu impeachment?
Dilma: Olha, eu acho que todas as riquezas do Brasil têm peso. O pré-sal tem um peso muito especial. O que está na questão do pré-sal? Não é a participação do setor privado. Por quê? Porque ele participa do pré-sal. Vamos olhar o leilão de Libra, que é o único campo do pré-sal integral, não tem nenhum outro.

Então vamos olhar a prova material. Quem é que participa de Libra? Participam de Libra quatro empresas privadas: Shell, que é uma grande empresa; Total, que é uma empresa francesa grande – não é uma major, mas é uma quase major –; duas chinesas, a CNOOC e a CNPC. É bom lembrar que os maiores compradores de petróleo do mundo são os chineses.
O controle da distribuição do petróleo está na mão dos chineses. Daí porque qualquer grande empresa privada internacional gosta da parceria com os chineses. Para a gente não ser otário e ficar achando que a presença de chinês é algo terrível, como diziam umas pessoas do Rio de Janeiro.
Natalia Viana: Mas aquela modificação proposta pela senhora…
Dilma: Não, mas aí o que é o problema? Não é a presença [dos estrangeiros]. O problema é o seguinte: são dois regimes, o de concessão e o de partilha. O regime de concessão se caracteriza pelo fato de que quem achar o petróleo é dono do petróleo. Se achou o petróleo, qualquer empresa – da Petrobras a qualquer uma – achou, no Brasil, ele é dono da jazida.
Por que isso? O risco de não achar é muito alto. Muitas empresas, inclusive pequenas, quebram porque não acham. E aí, gastou 20 milhões, 30 milhões, até 100 milhões de dólares para prospectar. Bom, o que acontece no Brasil? No pós-sal, o nosso petróleo era difícil de achar, implicava riscos, era com grande teor de enxofre, com uma coisa que chama API – uma forma de medir a qualidade do petróleo – muito baixo, 14, 15 graus API. E, além disso, em muitos lugares [encontrava-se] pouco petróleo.
Não eram grandes campos. Então não era muito petróleo, a qualidade não era muito boa e com um risco elevado. Modelo de concessão correto porque quem achou leva a parte do leão, o petróleo. Que faz com que você tenha um lucro bastante razoável.
Como é o pré-sal? O pré-sal foi descoberto por prospecção, exploração e pesquisa da Petrobras. Foi demarcada uma poligonal e nós sabemos que o grosso está lá dentro dessa poligonal. Nós sabemos que é de muito boa qualidade e que é muito. Então o petróleo do pré-sal é completamente diferente do pós-sal. Então o modelo do pré-sal é de partilha por quê? Pra quem fica a parte do leão, ou seja, o petróleo? Fica pro dono dele. Quem é o dono? A União. E as empresas privadas ficam com uma parte. Pra você ter uma ideia, mais ou menos, eu vou falar entre 75% a 80% para a União e o restante…
Vera Durão: Para as privadas? 
Dilma: Não é para as privadas, não, para a dona, Petrobras inclusa. Por isso que eu falo 70% a 75%, porque, se você botar a Petrobras junto com a União, aí dá uns 80% para o país. Agora, pergunto a você, o que leva quatro grandes empresas internacionais a virem aqui e pagarem 20 bilhões sabendo que a regra é essa? Muito petróleo, a certeza de que vai achar, da qualidade e do lucro, portanto.

Então, o que estão querendo fazer é um absurdo. Alterar o regime de partilha é, de fato, um absurdo. Esse pode ser um dos elementos que eles jamais conseguiriam num processo eleitoral com discussão com a população – convencer a população de que isso era bom para o país. Portanto, através da eleição, eles não iriam conseguir a aprovação disso. Agora, acho que essa é uma questão. Eles também vão reduzir a saúde, acabar com o Minha Casa, Minha Vida. Já acabaram! Porque acabaram já com a faixa 1. A faixa 1 é a faixa pobre do Oiapoque ao Chuí.
Vera Durão: Dilma, você acha que a maldição do petróleo também passou aí pelo processo que levou ao seu afastamento?
Dilma: O que eu acho grave no Brasil nessa área é… Eu sou a favor – inclusive tenho sido acusada, uma das causas do meu impeachment é o fato de que o meu governo foi favorável, o meu governo não impediu investigação de corrupção. Nós somos completamente favoráveis a isso.

Agora, também sempre deixamos claro que, quando você combate a corrupção, você não pode destruir nem as empresas nem os empregos. Assim como se faz no resto do mundo. Os Estados Unidos tiveram recentemente, junto com o resto do mundo, talvez o maior processo de corrupção que foi os bancos, os seus derivativos, e todos os processos que levaram a perdas astronômicas.
Vera Durão: A crise de 2008.
Dilma: Isso, a crise de 2008. Eles não destruíram os bancos. O que eles fizeram? Cobraram multas elevadas, puniram os executivos e não destruíram os bancos. O que no Brasil poderia se fazer também: multa, prende os executivos, mas não destrói as empresas. Não impeça que elas tenham crédito. Não faça com que elas destruam seus empregos.

Por que eu estou falando nisso nessa altura? Porque a cadeia de petróleo e gás é muito importante para o crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil. Ela gera emprego, se calcula que ela responda entre 1 e 2 pontos percentuais do PIB. Então atirar na cadeia de petróleo e gás é atirar no PIB do país.
Vera Durão: Tem um efeito cascata gigante. 
Dilma: Violento. Que é outra explicação da crise também.

Marina Amaral: A esquerda citou muito o pré-sal durante a articulação do impeachment. Falou-se que havia influências estrangeiras nessa tentativa de derrubar a senhora do poder e que isso estaria associado ao pré-sal. A gente vê que o projeto de alteração do pré-sal é do senador José Serra, que assumiu o Ministério das Relações Exteriores. A senhora vê alguma relação nisso ou a senhora acha que é pura especulação?
Dilma: Eu repito para você: eu acho que eles jamais conseguiriam fazer com o pré-sal o que pretendem sem ser através de métodos absolutamente fraudulentos e golpistas. Por eleição direta não fariam. E eles não ganham eleição direta há muitos anos. Então, eu acho que tentaram encurtar o caminho.
Agora eu tenho dito o seguinte. Falo muito com a imprensa estrangeira e muitos [jornalistas] me perguntam: tem influência externa no golpe? Eu quero te dizer o seguinte: não é necessário para discutir o golpe no Brasil atribuir responsabilidade a nenhum outro país do mundo. Nós fomos competentes na arte de dar um golpe aqui no Brasil. Nós não precisamos deles para nós fazermos golpe.
Este golpe é endógeno. A responsabilidade por ele é das oligarquias locais. Pode ter gente muito feliz – é outra coisa. Pode ter gente até que deu uma mãozinha – é outra coisa. Mas não é relevante.
Andrea Dip: Presidente, vou mudar um pouquinho de assunto. Em suas campanhas, a senhora visitou vários templos evangélicos. Mas a bancada evangélica foi a que mais barrou projetos, inclusive do próprio PT, como a cartilha anti-homofobia, a discussão de gênero nas escolas, se opôs à lei que criminalizaria a homofobia e aos avanços das políticas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Durante o processo do impeachment, esses deputados da bancada evangélica e alguns pastores televisivos foram dos que mais atacaram a senhora de forma mais violenta. A senhora acha que valeu a pena fazer essa aliança? 
Dilma: Acho fundamental que se abra essa discussão com eles. Você não vire as costas para 30% do país. Não faça isso. Nós temos que discutir com os evangélicos, falar com eles, porque eu também não acredito na uniformidade deles.
Marina Amaral: Nem todos são liderados pelo Cunha…
Dilma: Não, e não é isso. Eu acho que nem todos têm uma visão tão fechada.

Andrea Dip: Mas a bancada evangélica sim…
Dilma: Isso é outra coisa. Isso é a representação deles. Agora, pelo fato de a representação de segmentos do Brasil ser ruim, eu não vou deixar de falar com eles.

Vera Durão: Sim, mas você não deixou de falar com eles. Você fez uma aliança política com eles. 
Dilma: Eu não fiz, não. Eu não fiz aliança nenhuma com eles. Aliança, como assim?

Vera Durão: De te apoiarem. 
Dilma: Me apoiaram, mas nunca discutiram o que eu podia falar e o que eu não podia falar. Agora, eu acho que é fundamental que você converse com os evangélicos. Fundamental. No Rio de Janeiro, isso é decisivo, por exemplo. Vou falar isso porque eu acho isso grave: não acho que é possível a gente demonizar uma religião. Não é correto.

Andrea Dip: Mas em termos de políticas públicas, projetos de lei… 
Dilma: Pois é, minha querida, mas eu vou continuar indo em templo evangélico sempre que me convidarem.

Marina Amaral: Mas a aliança com os evangélicos não barra determinados avanços? 
Dilma: Não. Depende do que você para fazer aliança com os evangélicos aceita.

Andrea Dip: Eu vou aproveitar esse gancho e…
Dilma: Agora veja bem, querida, presidente da República não interfere em algumas coisas. Vou te antecipar, vou falar de aborto. O que nós podemos fazer no caso de aborto? Vou falar de aborto. Aborto legal nesse país está na lei. A lei é a seguinte, a lei é clara, você pode ter aborto em três casos: quando há estupro contra a mulher, quando a mulher corre risco de vida no parto e feto anencéfalo. São três casos. O que vocês estão perguntando é o seguinte: por que eu não criei mais três? O cumprimento desses três nós colocamos no SUS.

Andrea Dip: Não, é se a senhora é a favor da descriminalização do aborto. 
Dilma: Eu pessoalmente posso ser a favor de tudo. Como presidenta, eu não interfiro nisso.

Natalia Viana: Mas a senhora pessoalmente é a favor? 
Dilma: Não vou te responder isso. O dia em que eu sair da Presidência, eu te respondo. E eles não me tiraram, não. Eu continuo sendo presidenta. Assim como eu não posso declinar aqui que eu sou A, B, C ou D em relação a qualquer religião. Eu não posso fazer isso.

Andrea Dip: Mas a senhora não acha que seria bom…
Dilma: Para vocês pode ser ótimo. Para o exercício da Presidência, é péssimo. Querida, a hora que eu aceitar isso, eu aceito que aquela mulher que entrou lá na Secretaria [Fátima Pelaes, atual titular da Secretaria das Mulheres] chegue e fale: sou contra ter direito ao aborto por estupro.

A gente que é servidor público cumpre a lei. Se a lei é ruim, nós temos de mudar a lei. Servidor público faz isso, não fica falando “eu acho isso” ou “eu acho aquilo”. Assim como eu fui contra o que ela falou, porque ela não pode falar aquilo. Não é algo que ela possa discutir. A lei é clara.
Andrea Dip: Mas não é uma questão de saúde pública, já que tem mais de 800 mil abortos por ano? 
Dilma: A saúde pública garantida no governo são esses três pontos. Se eu estiver fora do governo e for feminista, eu luto por outras coisas, viu? Agora, eu fui feminista, tá?

Andrea Dip: No passado, presidente? 
Dilma: Eu fui da Ação da Mulher Trabalhista, querida.

Vera Durão: Do PDT? 
Dilma: Não, mas nós éramos a favor de cada coisa do arco da velha… [risos]

Andrea Dip: Mas não é mais feminista? 
Dilma: Eu fui feminista. Hoje eu sou presidenta.

Marina Amaral: Mas a senhora diria “eu fui de esquerda”? 
Dilma: Eu não entro nesse tipo de questão nem que a vaca tussa. Não tirei direitos dos trabalhadores, não tirei férias, não tirei nada, querida. Agora, eu não faço a política. A de saúde pública é garantir que o SUS, que é o nosso Sistema Único de Saúde, cumpra o que não cumpria. E até hoje tem resistência. Ou seja, não vamos achar aqui que é um passeio cumprir os três itens [do aborto legal]. Vocês não têm ideia.

Natalia Viana: Presidente, ontem foi preso, em um desdobramento da Lava Jato, o Paulo Bernardo, que foi ministro no seu governo, acusado de um superfaturamento de 100 milhões pela empresa de tecnologia que geria sistema de crédito consignado a funcionários. Diz a PF que o dinheiro seria usado para caixa 2 do PT. Por outro lado, o Marcelo Odebrecht assinalou que… 
Dilma: Querida, posso te falar uma coisa? Eu não sei no que vai dar. E nem o que está em processo na prisão do Paulo Bernardo. Então, você vai me desculpar, mas você não vai querer que eu faça uma avaliação sobre coisas que estão sob investigação da Justiça. Agora, acho estarrecedor me perguntar sobre o Marcelo Odebrecht, que nem concluiu a sua delação premiada. Tirante a hipótese de que o seu jornal – e aqui eu vou engrossar – tenha uma escuta dentro da cela, ou do lugar onde ele está fazendo a delação, vocês não têm o direito de me perguntar nada.
Natalia Viana: Na verdade, a pergunta não era em relação a isso. 
Dilma: Eu tenho imensa indignação com esse tipo de uso político das investigações da Lava Jato. Uso político.

Natalia Viana: A pergunta era se a senhora acredita que essas revelações afetam suas chances no impeachment. 
Dilma: Não, minha querida. Eu acho que eu estou em um nível de vacinação absoluta contra isso. Isso tem sido feito sistematicamente contra mim. Sistematicamente. A última que arquivaram foi aquela em que quase caiu o mundo na minha cabeça porque eu liguei para o Lula e falei: “Vou mandar aí o Bessias”. Agora foi arquivado.

Agora, o pato que eu pago enquanto não está arquivado é imenso. E eu me recuso a discutir Marcelo Odebrecht numa delação que nem acabou. Tem vazamento daquilo que não foi feito, tem vazamento… e tudo seletivo. Primeiro vaza eu e fazem um escândalo com isso. E depois aparece o resto.
Como que fica? Não sei o que que é o Paulo Bernardo, tem um ano essa investigação, não sei por que prenderam hoje, não tenho a menor ideia… Ele estava fugindo? Preventiva tem de ter motivo. Eu me recuso a dar elementos para um tipo de praxe que a imprensa brasileira está tendo de uso seletivo. Porque a tese era a seguinte: tinha um único partido no Brasil que tinha corrupção. O que se vê é que não é isso que está acontecendo.
Vera Durão: Sérgio Machado disse que é desde 1946.
Dilma: É. O Sérgio Machado deve ser um experiente conhecedor disso. Bom, o que estou dizendo é que não vou compactuar com isso. E comigo é sistemático. Até o ponto do meu cabelo. Eu perdi a paciência no dia do meu cabelo [Merval Pereira, do Jornal O Globo, veiculou em sua coluna que Dilma teria usado dinheiro da refinaria de Pasadena para pagar itens pessoais. Saiba mais].

Marina Amaral: Tenho uma pergunta sobre outra polêmica, que é Belo Monte. Eu conheço a defesa que a senhora faz da obra, da necessidade, inclusive, energética do Brasil. Eu queria saber se essa visão de desenvolvimento na Amazônia não foi modificada pelas conferências internacionais, por um mundo em que você tem como maior ameaça futura o aquecimento global. Esse tipo de debate não tornou ultrapassado, olhar pra a Amazônia como uma fronteira de desenvolvimento?
Dilma: Nós não olhamos para a Amazônia como uma fronteira de desenvolvimento. Nós utilizamos os recursos que podem ser utilizados mantendo a preservação do meio ambiente.
Marina Amaral: Mas em Belo Monte…
Dilma: Nós preservamos o meio ambiente. O problema da Amazônia, de Belo Monte, não é esse. O problema de Belo Monte é o seguinte: tem um problema seríssimo no clima. Sabe qual é? O problema no clima será sempre energia. O problema do mundo, em relação ao clima, é energia. No nosso caso, nós temos algumas vantagens. P

orque nós ainda temos o problema de acabar com o desmatamento, como replantar, como conter e fazer agricultura de baixo carbono e etc. E [a energia hidrelétrica] dá uma grande margem para o Brasil. Somado ao fato de que nós temos recursos hídricos. O que é que entrava todos os países do mundo? Eles não têm. Ou usa nuclear ou usa térmica. Então acho que há uma visão completamente incorreta sobre as hidrelétricas.
Uma coisa é o fato de que se fazia hidrelétrica e não se olhava as repercussões sobre as populações atingidas. Isso é uma coisa. Não se olhava a melhor forma de se fazer com o mínimo de impacto ambiental. Porque, se você não tiver Belo Monte, tem de ter o equivalente de Belo Monte de alguma coisa. De [energia] solar não é, porque é absurdo o preço. A não ser que descubram alguma tecnologia mais avançada, você não paga. Eólica é inviável, você não segura, não tem como. Ela não é uma energia que eles chamam de firme.
Nós somos respeitados internacionalmente, ao contrário do que dizem. Essa Conferência de Paris [COP-21, realizada em dezembro de 2015] não existiria sem nós. Eles reconhecem. O Obama me liga para agradecer. Não sai no jornal, óbvio, nós sabemos por quê. Mas o Brasil tem respeito porque tem uma política que é consistente. Nós só temos 3% de térmica e nuclear. A alternativa é essa. Parou com hidrelétrica vai fazer nuclear.
Marina Amaral: Mas não deveria haver uma garantia pelo menos de o governo ser mais protetor, em vez de deixar aquela população nas mãos das grandes empresas? Por exemplo, a Globo mostrou recentemente uma reportagem sobre a situação de Altamira [município onde foi construída a usina de Belo Monte], que, independentemente da implicância política da Globo com o governo, mostra o esgoto desembocando dentro da…
Dilma: Posso te falar uma coisa? Uma das coisas mais difíceis do Brasil é fazer saneamento.
Marina Amaral: Mas e a contrapartida da empresa? O governo não deveria cobrar o consórcio responsável? 
Dilma: Querida, não foi só a contrapartida da empresa. Uma parte de qualquer esgoto no Brasil tem responsabilidade constitucional do município e do estado. Não é da União. Eu posso cobrar o que for da empresa, mas a empresa tem de executar com base no estado e no município. Eu não vou falar do que acontece em Altamira. Sugiro que vocês falem com a ministra [a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira]. Eu vou defender hidrelétrica em todas as circunstâncias.

Natalia Viana: Presidente, como a senhora avalia que seu impeachment, se for confirmado, vai afetar outros países latino-americanos e a política latino-americana?
Dilma: Eu acho que já começou a afetar antes, primeiro pela importância do Brasil na região. Mas acho que você tem hoje, no mundo latino-americano, essa variante do golpe parlamentar já feito antes de nós. Isso ocorreu com Paraguai, com Honduras. [O impeachment de Fernando Lugo, no Paraguai] foi durante a Rio+20.
Eu sei porque a gente mandou os chanceleres lá para tentar evitar, e não conseguimos. O que está ocorrendo? Eu acho que é uma nova forma de retirar governos que criam descontentamento [em relação] à oligarquia econômica, ou política, ou um grupo de interesses, que se considera descontente em relação a alguma das características do governo em exercício.
Aí o que eles fazem? Dão um golpe parlamentar. Em que consiste um golpe parlamentar? Ele não é igual a um golpe militar. Um golpe militar não só extingue o governo em questão, mas acaba também com o regime democrático. Tem uma característica: você tira o governo e mantém o regime democrático. Agora, tem um preço para se fazer isso. Você compromete suas instituições, você cria cicatriz na sociedade. Você, muitas vezes, impede a recomposição do tecido democrático. Então tem uma consequência grave. E acho que criará, na América Latina, uma instabilidade.
Natalia Viana: A senhora acha que pode acontecer em outros países?
Dilma: Acho que pode. Não só eu acho, como chefes de Estado da América Latina, todos temem isso. Qualquer um.

Vera Durão: Na época que você foi afastada, recebeu solidariedade de chefes de Estado latino-americanos?
Dilma: Recebi. Não digo de quem por razões óbvias. As reações dessas pessoas são as mais variadas. Tem uns que fazem solidariedade ativa, tem outros que fazem solidariedade, mas obviamente por razões de Estado. Tem uma gradação.

Natalia Viana: A senhora acha que isso enfraquece a Unasul?
Dilma: Diminuir a importância da América Latina ou da África em relação ao Brasil é um absurdo, porque a força do Brasil no mundo tem a ver também com essa liderança e com essa capacidade de negociação que nós construímos desde o início do governo Lula. Nós abrimos embaixadas, tivemos uma política muito clara em relação à África.

E isso explica por que conseguimos indicar pessoas para presidir organismos multilaterais, como é o caso da OMC [Organização Mundial do Comércio] e como é o caso da própria FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação]. Também explica por que tivemos um nível de interlocução muito forte com todos os diferentes países.
No caso específico da América Latina, a Unasul é um produto dos nossos governos, nós construímos a Unasul. A Unasul envolve todos os países deste continente, da América do Sul. E sempre teve posições comuns. O que significa posições comuns? Se tira posição por consenso, ou por consenso mínimo. Há a cláusula democrática, há todo um nível de condução. E há uma prática: não se fala. A única condição de você conviver é você não falar do outro. Você não pode chegar e externar uma posição contundente contra um país. Não se faz isso dentro da Unasul.
Vera Durão: Mas isso foi violado pelo Serra, que falou mal da Venezuela.
Dilma: Eu sei, mas não se faz isso. Sabe o que você pode fazer? Você pega uma carta, escreve uma carta para o Maduro [Nicolás, presidente da Venezuela], externa sua posição e manda o seu embaixador, ou quem você achar que deve, falar para ele que a posição do governo brasileiro é essa, essa e essa. Que nós somos a favor disso, disso e daquilo. E, se acontecer isso, vai acontecer aquilo. Mas você não faz isso em público. Isso não é diplomacia. Nem os EUA fazem isso.

Estavam lá outro dia o Maduro e aquele menino, Shannon [Thomas Shannon, diplomata norte-americano que se encontrou com Maduro para reiniciar as conversas entre EUA e Venezuela]. Não se faz isso. Isso não é praxe diplomática. Acredito que está errado fazer isso, porque você limita a sua capacidade de negociação e intervenção. Inclusive se você está preocupado com certos processos em andamento, para você ter mais capacidade de evitar que eles ocorram, tem de se tornar interlocutor.
É assim que funciona. No caso do Mercosul, eles [o governo Temer] não estão indo [à reunião em julho] porque não querem a Venezuela. É a hora da Venezuela [assumir a presidência rotativa]. Eles podem achar várias coisas críticas a respeito da Venezuela, mas não será rompendo a praxe – que é cada ano um, segundo o rodízio – ou seja, não é cometendo uma ruptura contra a Venezuela que você melhorará as condições da Venezuela.
Isso é uma política tola, porque não produz o resultado que os radicais querem a não ser que isso seja apenas – o que é pior – um discurso não para os nossos vizinhos, mas para si mesmo, o seu povo. A não ser que você esteja fazendo política externa para contentar segmentos internos, que para mim é a hipótese. Não ir à reunião é tão ineficaz que só pode ser uma sinalização para a imprensa brasileira, para o Brasil. O que é uma tolice.
Inclusive, no caso específico do Paraguai, nós nos manifestamos contra e parou por aí. Ninguém ficou falando disso mais. Quando eles elegeram o outro presidente, voltou. Sabe qual é a reação? Absoluta frieza. Ninguém xinga ninguém, ninguém faz declaração para a imprensa. O tratamento é o seguinte: congela a relação. É isso.
Marina Amaral: Falando em golpe e América Latina, a senhora foi a grande articuladora da Lei de Acesso à Informação, que foi gestada junto com a criação da Comissão Nacional da Verdade. Como presidente e chefe das Forças Armadas, como foi assistir aos militares novamente se negando a entregar os arquivos e fornecer informações para a Comissão Nacional da Verdade?
Dilma: Olha, que eu me lembre, o que eles dizem é que não tem arquivos. Há uma diferença entre se recusar a entregar e dizer que não tem. Eles dizem que em determinado momento destruíram os arquivos no passado.
Marina Amaral: Mas não teria como a senhora fazer um questionamento mais duro?
Dilma: Fizemos. Nós fizemos uns três questionamentos. Uai, nós fizemos por escrito.

Vera Durão: Celso Amorim falou fino com os caras…
Dilma: Não. Não falou fino coisíssima nenhuma. Todos os dados, eles não têm nos arquivos. Vera, quem é que ia manter arquivo? Pra quê? Pra se comprometer?

Vera Durão: Mas lá no Arquivo Nacional a gente descobriu um monte de arquivo.
Dilma: Não, isso é outra coisa. Aquilo fomos nós que botamos lá, pô. Porque nós fizemos o seguinte: um belo dia, bem antes da Comissão da Verdade – foi 2006, se eu não me engano –, fizemos um conjunto de circulares em que a gente pedia [os arquivos] para cada um dos ministérios. Porque não tinha arquivo só com os militares. Tinha arquivo espalhado pelo Ministério das Relações Exteriores, tinha arquivo em vários locais.

Então o que a gente pediu? Pega o Arquivo Nacional e lá a gente vai fazer a junção dos arquivos. Era até o Beto Vasconcelos [ex-secretário Nacional de Justiça] que organizava essa ida dos arquivos de todos os lugares para lá. Aí, neste momento, eu, chefe da Casa Civil, dirigia a comissão, mandei um ofício para o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e para todos os comandantes das Forças Armadas, pedindo arquivos deles.
Mandaram alguns arquivos que era o que eles falavam que tinham. Bom, na sequência, vem a Comissão da Verdade. Aí a Comissão da Verdade passa a fazer isso. Aí dizem que tem esse arquivo, que talvez tenha um outro arquivo. Aparecem outros arquivos. A gente faz outra suposição: talvez tenha gente que levou arquivo para casa. A
í não sei se vocês lembram que nós fizemos uma legislação que era o seguinte: entrega o arquivo, [ganha] anonimato – você pode entregar e não tem consequência. E o que foi entregue foi muito pouco. Nós estávamos com uma expectativa de ser bastante, mas não foi não. E depois a Comissão da Verdade acha algumas coisas. Eu não lembro o que eles acharam. Porque aí eles juntaram tudo. Você me desculpa, mas eu não acredito mais que tenha arquivo.
Vera Durão: Você acha que eles falaram a verdade?
Dilma: Não é que falaram a verdade, acho que destruíram [os documentos]. Ou os que estão em posse das pessoas, que podem ter, não entregam. E você não sabe, não tem registro.

Vera Durão: Dilma, até que ponto a Lei de Anistia teria impedido ou travado que no Brasil se fizesse justiça com os torturadores, como aconteceu na Argentina, no Chile, no Uruguai? Vocês chegaram a tentar alguma coisa nesse sentido? Você, como uma ex-presa política, chegou a fazer consultas?
Dilma: Não precisa fazer consultas, Vera. Você sabe qual era a situação.

Vera Durão: Mas o que vocês temiam?
Dilma: Não passa, querida. Não temos nada. O Supremo Tribunal Federal não deu ganho de causa a isso, Vera.

Vera Durão: Então é a Lei de Anistia que travou?
Dilma: Não, Vera, é a instituição do país. Supremo Tribunal Federal. O que eles disseram é que a lei podia fazer qualquer coisa. Entraram contra a lei. E ele disse que a lei é aquela. Ô, Vera, você está num país que tem Supremo Tribunal Federal e a hora que ele decide que é assim, é assim.

Vera Durão: A gente hoje ainda engole essas coisas, de elogios ao Ustra [Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi], essas provocações. O cara já foi processado várias vezes, não aconteceu nada com ele. 
Dilma Ô, Vera, eu acho que a gente tem de aprender na vida que tem a nossa indignação pessoal e a compreensão da realidade. A realidade é essa. Quando o Supremo decide, não tem a quem recorrer, Vera. Porque neste regime em que a gente vive você faz uma lei, é o Legislativo que a faz – ela foi enviada, se não me engano, pelo Executivo. Mas quem aprovou e etc. foi o Legislativo.

Aí, se recorreu contra os termos da lei ao Supremo, e o Supremo sancionou a lei. Sancionou, não. Ele deu ganho à interpretação. Não tem discussão, Vera. Você perde várias. A arte é que não existe fazer um governo sem saber que você perde e você ganha. Não tem um jeito de ganhar todas. Até porque eu acho que tem uma correlação de forças. Nós não conseguimos ganhar essa. É que nem eu perdi na Câmara lá aquele dia por correlação de forças.
Marina Amaral: Eu queria perguntar outra coisa. Lembro quando entrevistei o Zé Dirceu depois do mensalão – eu estava na Caros Amigos na época –, e ele disse: “O erro do governo foi ter feito aliança com vários partidos pequenos. O certo teria sido fazer desde sempre uma aliança com o PMDB”. Daí veio o governo da senhora…
Dilma: Olha, minha filha, está danado. Vou explicar por que está danado. O Fernando Henrique Cardoso fazia maioria em três partidos. Maioria simples. Conseguia maioria de dois terços com quatro. O Lula, se eu não me engano, era com oito e onze [partidos]! Eu, eram quatorze. Quatorze eu fazia maioria simples. E olhe lá. Vou te explicar por quê. Houve uma imensa fragmentação partidária no Brasil. Quando o Supremo decide acabar…
Vera Durão: Culpa do Supremo.
Dilma: Não, não é culpa do Supremo. Ele decidiu. Eu não vou ficar falando mal do Supremo. Não vou. O Supremo acaba com a cláusula de barreira. Amplia-se o número de partidos. Não é uma questão que você queira ou não. Eu acho que tem uma crise estrutural no sistema político brasileiro porque tem um nível de fragmentação que é tanto por partidos como dentro dos partidos.

Os partidos, hoje, têm grupos que têm a ver com os diferentes estados da Federação, que têm diferentes interesses. Tem bancada da bala, bancada disso, bancada daquilo. É importantíssimo que o Brasil tenha uma recomposição partidária. E essa recomposição partidária é fruto das regulamentações que a lei estabelece para a questão eleitoral e também pela qualidade do voto.
Se você olhar o voto parlamentar e o voto majoritário, o voto majoritário para presidente, sobretudo, e mesmo para governador, e o voto proporcional, você vai ver o seguinte: as políticas representadas pelo voto presidencial ao longo da história são mais progressistas. As políticas defendidas pelo parlamento são mais conservadoras.
Por quê? Por um motivo simples: quando você faz a eleição presidencial, você tem uma relação direta entre o seu programa e a população. O filtro diminui porque você tem direito a programa de televisão gratuito, você tem um debate mais direto. Quando você tem a eleição proporcional, todos os filtros que existem nas regiões e nos estados ficam fortes.
Quais? Controle econômico, as políticas oligárquicas, a dificuldade dos movimentos sociais se expressarem pela diferença de poder. Quanto mais organizados eles são, mais eles vão se expressar. Mas eles vão ter um voto segmentado porque é um voto proporcional. E aí tem aquela discussão se aí caberia o voto distrital para facilitar porque você teria, de uma certa forma, o voto majoritário nas regiões.
Porque o voto distrital pega um distrito, bota você e ela escolhe entre as duas [opções]. Então você tem uma coisa hoje no Brasil: eu fui eleita por 54,7 milhões de votos, agora isso não se expressa no [voto] parlamentar. Nada. Pelo contrário, né? Nós chegamos a 60, 70 [deputados eleitos] do PT. O PSDB e o PFL tinham, no governo Fernando Henrique, 120, 115. Quase o dobro.
Vera Durão: Se você reassumir, você vai mudar isso, esse presidencialismo de coalizão? 
Dilma: Eu farei basicamente um governo de transição. Porque é um governo que vai ter dois anos, e o que nós temos de garantir neste momento é a qualidade da democracia no Brasil, o que vai ocorrer em 2018. Eu farei isso, sobretudo. Acho que cabe a discussão de uma reforma política no Brasil, sem dúvidas. Nós tentamos isso depois de 2013 e perdemos fragorosamente. Tentamos Constituinte, tentamos reforma política, tentamos…

Natalia Viana: Teria força para um plebiscito? 
Dilma: Não sei. Não tenho ideia.

Marina Amaral: Mas há esse compromisso da senhora, chamar um plebiscito?
Dilma: Não, não. Está em discussão isso. Não há um consenso. É uma das coisas. Uma das propostas colocadas na mesa. Agora, há de todo mundo uma opção por eleição direta, né? Sempre.

Vera Durão: Agora, Dilma, você não pode escapar dessa prisão desse presidencialismo de coalizão apelando para os seus eleitores, para o povo? Como você está fazendo agora?
Dilma: É que nós vamos continuar isso. Vou continuar fazendo. Não tem mais como recompor. Vou te falar, eu não recomponho governo nos termos anteriores em hipótese alguma.

Vera Durão: Por que você compôs? Você sentia pressões fortes para isso?
Dilma: Porque o nosso mapa até então era esse. Foi feito assim o meu governo, né? E vamos lembrar bem que eu tinha um vice. E quem articula isso, obviamente, eu não acho que o vice é a maior liderança, eu acho que a maior liderança é o Cunha. Acho que o vice é um dos elementos. Mas esse governo, ele faz parte desse processo eleitoral. Eu acho que houve uma mudança no pacto político.

Vera Durão: Você vai ao Senado se defender?
Dilma: Estou avaliando. Sou do tipo de gente que avalia.

Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações da Agência Pública