quinta-feira, 30 de maio de 2013

"Se tiver de abrir minha cabeça dez vezes, vou abrir"

Oscar Schmidt, um dos maiores ídolos do esporte nacional, fala o que mudou em sua vida após descobrir, dois anos depois de ser operado pela primeira vez, que estava novamente com um tumor no cérebro

Natália Mestre

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EM TRATAMENTO
Um mês após a cirurgia, o ex-jogador de basquete tenta levar 
uma vida normal, apesar da quimioterapia e da radioterapia

A bandeira do Brasil hasteada em uma das janelas da casa em Alphaville, a cerca de 30 km de São Paulo, entrega o jogo logo de cara. Quem abre a porta é o ex-jogador de basquete Oscar Schmidt, 55 anos, um dos maiores ídolos do esporte nacional e dono do recorde mundial de pontos anotados (49.737). Bem-humorado, alto-astral e sem papas na língua, ele recebeu ISTOÉ na residência onde mora com a esposa, Cristina, e a filha, a chefe de cozinha Stephanie, de 22 anos. O filho mais velho, Felipe, 27 anos, é cineasta e mora em Salvador. Se não fosse o boné a esconder a cicatriz de orelha a orelha e o cabelo bem ralo, mal daria para notar que o Mão Santa havia passado por uma segunda cirurgia de retirada de tumor cerebral, no dia 30 de abril, e que está fazendo quimioterapia e radioterapia. Na primeira operação, em 2011, os médicos retiraram um tumor de 7,5 centímetros de comprimento e grau dois – a escala de gravidade desse tipo de tumor vai de um, considerado benigno, a quatro, o mais grave. Em abril, através de uma ressonância magnética de rotina, os médicos diagnosticaram que o câncer tinha voltado menor, porém mais agressivo, de grau 3. O novo percalço, porém, não desanimou Oscar. Otimista, segue com a vida normal – na última terça-feira, deu uma palestra na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) – e não vê a hora de chegar setembro, quando participará da cerimônia de nomeação ao Hall da Fama do basquete, nos Estados Unidos.
ISTOÉ – Como foi a sua reação quando soube que o tumor havia voltado? 
Oscar Schmidt – Foi uma merda. Na hora eu só conseguia pensar que não viverei mais até os 80 anos. Mas, agora, olhando para toda a minha vida, eu só posso me sentir satisfeito. Eu tive uma vida linda, consegui praticamente tudo que eu quis, cheguei infinitamente mais longe do que um dia eu sonhei chegar. Se a natureza me colocou esse problema, eu tenho que ser capaz de superá-lo. E já estou superando. Se tiver de abrir a minha cabeça dez vezes, vou abrir. 

ISTOÉ – Qual é a diferença entre o que você está vivendo hoje e o que viveu dois anos atrás, quando o tumor foi diagnosticado pela primeira vez?
Oscar – A gravidade da situação. Hoje eu sei que o meu caso é mais sério e, por isso, eu preciso passar por um tratamento pesado, com sessões de quimioterapia e radioterapia. A radioterapia é mais tranquila. Já a quimioterapia é cruel, estou sofrendo com enjoos frequentes.

ISTOÉ – E como a sua família está encarando a doença?
Oscar – Eles estão muito abalados, sabem que eu vou embora antes e isso é muito difícil. Basta tocar no assunto que começam a chorar, eu que tenho que consolá-los. Sei que eles estão passando por maus bocados, mas vão superar. Vamos superar mais esse desafio.

ISTOÉ –Você sentiu medo em algum momento?
Oscar – Senti muito medo da cirurgia. A operação passada já havia demorado cerca de oito horas e essa levou basicamente o mesmo tempo. Os médicos precisavam remover todo o tumor e mais um pouco da área em volta. Eu só pedi que me deixassem a fala e o raciocínio, que são as coisas com as quais eu trabalho e dependo. O resto eu posso viver sem.

ISTOÉ – Você passou por algum momento de revolta, achou que a doença pudesse ser um tipo de castigo, punição?
Oscar – Nunca pensei nada disso. Tenho plena consciência de que é uma questão genética (o pai, Oswaldo Schmidt, morto há dois meses de infarto, já havia se curado de um linfoma). Sempre tive uma vida regrada. Nunca usei drogas, bebi ou fumei, sempre pratiquei exercícios e fui fiel à minha mulher. Se mesmo assim Deus me deu um câncer na cabeça, é porque tenho condições de superar.

ISTOÉ – E como você se sentiu ao acordar da cirurgia?
Oscar – Acordei com os médicos me chamando. Eu tinha até planejado dar um susto neles quando acordasse, ia brincar que não estava conseguindo reconhecê-los. Mas na hora nem me lembrei disso. Fiquei muito feliz por estar bem e por ter dado tudo certo. Passei apenas cinco dias no hospital e foram dias ótimos.

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ISTOÉ – A doença deixou você mais espiritualizado? Fez algum tipo de promessa? 
Oscar – Sempre fui religioso. Sou católico, acredito em Deus e tenho fé. Não cheguei a fazer nenhuma promessa ainda, acho até que vou acabar fazendo, mas só eu vou saber disso. A única promessa que fiz até hoje foi para a seleção de basquete masculino se classificar para a Olimpíada em 1996. Fiquei um ano sem tomar Coca-Cola.

ISTOÉ – A cirurgia deixou alguma sequela? O que mudou na sua vida?
Oscar – Não tenho nenhuma sequela e estou bem fisicamente. Levo a minha vida normal. A única coisa que realmente mudou é que não guardo mais dinheiro, agora gasto tudo o que ganho. Minhas prioridades mudaram. Quero curtir cada momento, aproveitar a minha vida com as pessoas que gosto, viajar bastante, porque sei que o câncer pode voltar. Não sei quanto tempo tenho, mas, o que tiver, quero viver bem. 

ISTOÉ – Como você consegue manter o alto-astral?
Oscar – Acho que isso faz parte da minha natureza. Sempre mantenho o bom humor e o otimismo. O esporte me ensinou a estar sempre bem preparado mentalmente. É a mente que precisa dominar o nosso corpo.

ISTOÉ – O que te dá força para seguir em frente?
Oscar – A minha família, as coisas que eu faço. Não vejo a hora de ser homenageado no Hall da Fama do basquete. É como se fosse o Prêmio Nobel do basquete, é o posto mais alto ao qual alguém pode chegar no esporte. Você consegue imaginar a honra que eu sinto em ser o único brasileiro homenageado? 

ISTOÉ – Quando você pensa no futuro, qual é o seu maior sonho?
Oscar – Quero ver os meus filhos bem encaminhados na vida. Já estou vendo os meus imóveis e a minha empresa, deixando tudo certinho para eles, para quando eu não estiver mais aqui. Gostaria de ver os meus netos também, mas acho difícil, meus filhos nem casados são. Hoje não me falta mais nada. Até um documentário sobre a minha vida está sendo produzido – meu filho é que está fazendo. Só faltou mesmo uma medalha olímpica.

Foto: PEDRO DIAS / ag istoé

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